A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) não está obrigada a celebrar convênio com a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) visando à prestação de assistência judiciária. Essa foi a decisão majoritária do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na análise de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4163, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República.
A discussão levantada pela ADI girou em torno de saber se a previsão de convênio exclusivo – previsto no artigo 109 da Constituição de São Paulo e no artigo 234 da Lei Complementar 988/2006 – e imposto à Defensoria Pública do Estado de São Paulo agrediria ou não a autonomia funcional, administrativa e financeira prevista para as Defensorias Estaduais pelo artigo 134, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
Segundo a PGR, a Constituição do Estado de São Paulo autoriza, no artigo 109, a designação de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para suprir a falta de defensores públicos, mediante a celebração de convênio entre o Estado e aquela instituição. Outra norma contestada é o artigo 234 da Lei Complementar 988/2006, que diz que a OAB deve credenciar os advogados participantes do convênio e manter rodízio desses advogados. Estabelece também que a remuneração de tais profissionais será definida pela Defensoria Pública e pela OAB.
Conversão em ADPF
O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, relatou a ADI e teve o voto seguido pela maioria dos ministros. Inicialmente, ele converteu a ADI em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) por entender que este é o instrumento correto para o debate, tendo em vista que os dispositivos questionados são anteriores à Emenda Constitucional (EC) 45. Essa emenda atribuiu autonomia para as Defensorias Públicas estaduais a fim de, sem qualquer ingerência, exercerem plenamente a assistência jurídica gratuita àqueles que não dispõem de meios econômicos para a contratação de advogados.
Procedência parcial
O relator votou pela parcial procedência da ação. Ele declarou a não recepção, ou seja, a incompatibilidade do artigo 234 e seus parágrafos com Constituição Federal e deu interpretação conforme ao artigo 109 da Carta paulista, no sentido de autorizar, sem obrigatoriedade nem exclusividade, a celebração de convênio entre a DPE-SP e a OAB-SP a critério da Defensoria Pública.
“Na espécie, a previsão constante do 234 da Lei Complementar impõe, de maneira inequívoca, obrigatoriedade de a Defensoria Pública conveniar-se em termos de exclusividade com a Ordem dos Advogados, seccional São Paulo, o que, independentemente da qualidade ou do tempo de serviços prestados, deturpa e descaracteriza tanto o conceito dogmático de convênio quanto a noção de autonomia funcional e administrativa constitucionalmente positivada configurando uma clara violação do preceito fundamental em que se encerra a garantia”, afirmou Peluso. Assim, ele considerou inconstitucional o artigo 234.
No entanto, o ministro Cezar Peluso entendeu que o artigo 109 da Constituição paulista poderia ser mantido na ordem jurídica, desde que interpretado conforme a Constituição Federal. “Para compatibilizar-lhe o sentido normativo emergente com o preceito fundamental da Constituição da República, deve entender-se que seu texto enuncia apenas mera autorização ou possibilidade de celebração de convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo, sem cunho de necessidade, nem de exclusividade, de modo a ficar garantida a Defensoria Pública em rigorosa consonância com sua autonomia administrativa, funcional e financeira a livre definição dos seus eventuais parceiros e dos critérios administrativo-funcionais de atuação”, salientou.
Ao final de seu voto, o relator observou que a realização de concurso público “é regra primordial para prestação de serviço jurídico pela administração pública, enquanto atividade estatal permanente”. Segundo ele, é situação excepcional e temporária a hipótese de prestação e assistência jurídica à população carente “por profissionais outros que não defensores públicos estaduais concursados, seja mediante convênio com a OAB, seja mediante alternativas legítimas”.
O voto do relator foi seguido integralmente pela maioria dos ministros presentes, que defenderam a autonomia administrativa, funcional e financeira da Defensoria Pública. Eles afirmaram que o valor da Defensoria Pública está ligado à importância da efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.
Ficou vencido o ministro Marco Aurélio tanto na preliminar, ao considerar a manutenção da ADI como instrumento para a discussão, quanto no mérito. O ministro acolheu inteiramente o pedido feito na ação pela PGR. “Entendo que a parte final do artigo da Carta de SP, no que viabiliza a assistência por advogado contratado mediante convênio, conflita com a Constituição Federal”, disse, ao ressaltar que o mesmo ocorre em relação ao artigo 234 da Lei Complementar.