Suspenso julgamento sobre horário obrigatório para programas de rádio e TV

Pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), interrompeu nesta quarta-feira (30) o julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404) ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) contra dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que classifica como infração administrativa a transmissão de programa de rádio ou televisão em horário diverso do autorizado pelo governo federal. O dispositivo prevê pena de multa e suspensão da programação da emissora por até dois dias, no caso de reincidência.

Até o momento, há quatro votos para permitir que as emissoras definam livremente sua programação, sendo obrigadas somente a divulgar a classificação indicativa realizada pelo governo federal. O primeiro a votar nesse sentido foi o relator da ação, ministro Dias Toffoli (leia a íntegra do voto), que foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ayres Britto.

O ministro Dias Toffoli afirmou que o trecho do artigo 254 do ECA que impede as emissoras de transmitir seus programas “em horário diverso do autorizado” pelo Estado é inconstitucional. “São as próprias emissoras que devem proceder ao enquadramento do horário de sua programação, e não o Estado. As próprias emissoras se autocontrolam”, disse. Ele acrescentou que o abuso deve ser “decidido por quem de direito”.

Para o ministro Dias Toffoli, a expressão questionada na ADI transformou a classificação indicativa em ato de autorização e de licença estatal, converteu essa classificação em algo obrigatório. Ele alertou que o inciso 16 do artigo 21 da Constituição confere à União, com exclusividade, fazer a classificação para efeito indicativo de diversões públicas e de programas de rádio e televisão. Esse dispositivo, por sua vez, é reforçado no parágrafo 3º do artigo 220 da Constituição, que determina que lei federal deve regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza e as faixas etárias a que eles não são recomendados, e estabelecer os meios legais que garantam à família a possibilidade de se defender da programação de emissoras de rádio e TV.

“Como se vê, no preciso ponto da proteção das crianças e dos adolescentes, a Constituição Federal estabeleceu mecanismo apto a oferecer aos telespectadores das diversões públicas e de programas de rádio e televisão as indicações, as informações e as recomendações necessárias acerca do conteúdo veiculado. É o sistema de classificação indicativa esse ponto de equilíbrio tênue e ao mesmo tempo tenso adotado pela Carta de República para compatibilizar esses dois axiomas, velando pela integridade das crianças e dos adolescentes, sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão”, afirmou o ministro Dias Toffoli.

Para o relator, a Constituição confere aos pais o papel de supervisão efetiva sobre o conteúdo acessível aos filhos. “Essa classificação desenvolvida pela União possibilita que os pais, calcados na autoridade do poder familiar, decidam se a criança e o adolescente podem ou não assistir a determinada programação.”

Ele ressaltou que a competência administrativa conferida à União para classificar programas para efeito indicativo, prevista no disposto no inciso 16 do artigo 21 da Constituição, não se confunde com autorização. “(A classificação) obrigatoriamente deverá ser informada aos telespectadores pelas emissoras de rádio e televisão. Entretanto, essa atividade não pode ser confundida com ato de licença, nem confere poder à União para determinar que a exibição de programação somente se dê nos horários determinados pelo Ministério da Justiça, de forma a caracterizar uma imposição, e não uma recomendação”.

Ao longo de seu voto, o ministro citou exemplos de modelos internacionais que visam estimular as emissoras a se desenvolverem de forma responsável na proteção do público infanto-juvenil, apresentando e tornando públicas as suas posições e permitindo, assim, que sejam monitoradas pela sociedade e pelos próprios telespectadores.

“O modelo de classificação eminentemente estatal, como o brasileiro, está distante das tendências dos marcos regulatórios de muitas democracias ocidentais”, afirmou. De acordo com o ministro Dias Toffoli, esse modelo segue uma lógica inversa: com o receio de abusos, restringe a garantia de liberdade de conformação da programação por parte das emissoras. “Toda a lógica constitucional da liberdade de expressão, da liberdade de comunicação social, volta-se para a mais absoluta vedação dessa atuação estatal”, concluiu.

Por fim, o ministro frisou que o Estado “pode e deve” dar maior publicidade a avisos de classificação indicativa, bem como desenvolver programas educativos sobre o sistema de classificação, divulgando para a sociedade a importância de se fazer uma escolha refletida acerca da programação infanto-juvenil. “É fundamental que a sociedade atraia para si essa atribuição também, cabendo ao Estado incentivá-la nessa tomada de decisão, e não domesticá-la.”

Censura prévia

Primeiro a votar depois do relator, o ministro Luiz Fux disse que o risco subjacente a qualquer forma de controle prévio de programas de rádio e TV é o de tolher a liberdade das expressões sociais e de sujeitar a programação a abusos do poder público. Nesse contexto, ele lembrou experiências recentes de manipulação e limitação à liberdade de expressão na América Latina.

Tanto ele quanto a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Ayres Britto concordaram com relator no sentido de que a Constituição Federal previu para o Estado apenas o papel de indicar a conveniência ou não de determinados programas em certos horários, mas jamais o poder de exercer censura prévia.

Eles foram unânimes ao afirmar que não cabe ao Estado interferir na liberdade da família de decidir a que programas ela ou seus integrantes devem assistir, papel que cabe aos pais. Em caso extremo, conforme assinalaram, basta que eles desliguem o televisor.

“O caráter indicativo impede o Estado de interferir e proibir a exibição fora de determinados horários”, observou o ministro Luiz Fux. Segundo ele, a classificação dos programas atribuída ao Estado tem como finalidade única a de “sugerir, aconselhar, e não o de exercer o papel de oráculo da moral”.

Segundo o ministro Luiz Fux, “o Poder Constituinte restringiu a interferência estatal a um caráter sugestivo”. A intervenção estatal tem apenas o caráter de orientar, observou.

Ele concluiu observando que “a autorregulação é o meio mais apropriado para detalhar a matéria”, permitindo que as emissoras canalizem as aspirações sociais e as disseminem, observando parâmetros básicos. “A autorregulação tem dado certo”, observou. “Além disso, há meios legais para controlar excessos”.

Censura versus democracia

Ao também acompanhar o voto do relator, a ministra Cármen Lúcia deixou claro que “a censura é contrária à democracia”. Ela disse que o STF tem julgado, ultimamente, muitos processos em que se discute a garantia da liberdade de expressão. E isso, segundo ela, é apenas um indicativo de que a liberdade, sem qualquer censura, deve ser sempre reconfirmada, mesmo se vivendo em uma democracia.

Isso porque, segundo ela, “a censura aparece sob as mais diversas formas subliminares”. E uma delas, em seu entendimento, é justamente o artigo 254 do ECA. Trata-se, segundo ela, de uma mordaça, e “mordaça é tudo o que nega a essência”.

Ela disse entender que o dispositivo impugnado pelo PTB é, sim, uma ameaça, porque admite até situação de aplicação de pena às emissoras. E isso, conforme assinalou, não é um processo democrático. Até porque ninguém elegeu e sequer sabe quem são as pessoas encarregadas da classificação da programação, nem tampouco quais critérios foram utilizados.

A título de comparação, a ministra disse que, ao contrário das emissoras de rádio e TV, que exercem autorregulação, a Internet “oferece acesso a todo tipo de informação e deformação, e os meninos entram nela livremente. E aí se quer ameaçar o rádio e a TV”.

Liberdade e democracia

Ao antecipar seu voto para acompanhar o do relator, o ministro Ayres Britto disse que a liberdade de expressão está intrinsecamente vinculada com a democracia. “E democracia é o valor dos valores”, acrescentou.

Também segundo ele, a CF autorizou o legislador a emitir juízo negativo relativamente à programação de rádio e TV, mas isso em termos de indicativo, não para converter essa autorização em juízo positivo, para que o poder público possa dizer às emissoras o que podem fazer.

Em seu entender, cabe ao Poder Público apenas manifestar-se sobre o inadequado, mas não direcionar o comportamento das emissoras. Segundo ele, o que vale é o que está expresso no artigo 5º da Constituição que, em seu inciso IX, assegura a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação independentemente de censura ou licença.

Por fim, o ministro Ayres Britto questionou se cabe ao Estado proteger a família, decidindo por ela, para responder negativamente. “Não. O Estado não está autorizado a tutelar ninguém, sobretudo no plano ético. A família é quem decide sobre a que programa de rádio ou TV assistir”.

 

Nascido em Brasília em 10 de julho de 1971, formou-se em Direito no Uniceub em 1993. É pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil. Conselheiro Seccional eleito por duas gestões 2004/2009, tendo presidido a Comissão de defesa e prerrogativas da OAB/DF. Vice-presidente da OAB/DF no período de 2008/2009. Ocupou o cargo de Secretário-Geral da Comissão Nacional de Prerrogativas do Conselho Federal da OAB na gestão 2007/2010. Eleito Presidente da OAB/DF para o triênio 2013/2015, tendo recebido a maior votação da classe dos advogados no Distrito Federal com 7225 votos. É diretor do Conselho Federal da OAB na gestão 2016/2019, corregedor-geral da OAB e conselheiro federal pela OAB/DF.