Súmula vinculante 33 e a aposentadoria especial do servidor público

Por Odasir Piacini Neto

O objetivo da norma que trata da aposentadoria especial é proteger o trabalhador que, durante sua jornada laboral, é submetido a condições prejudiciais à saúde e à integridade física.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Em nove de abril de 2014, o Supremo Tribunal Federal aprovou a súmula vinculante 33, cujo enunciado possui a seguinte redação:

Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.

O enunciado da súmula em questão irá por fim aos sucessivos Mandados de Injunção1impetrados por entidades de classe representantes dos servidores públicos, que visavam suprir a lacuna originada do comando constitucional instituído pelo artigo 40, parágrafo 4°, inciso III2.

As regras do Regime Geral de Previdência Social, as quais a nova súmula faz menção, são aquelas instituídas pela lei 8.213/91, que dispõe sobre o plano de benefícios da Previdência Social e, em seu artigo 57, trata da aposentadoria especial nos seguintes termos:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

Note-se que o dispositivo supracitado não é auto aplicável, necessitando de regulamentação para alcançar efetividade, sendo que a regulamentação em questão foi instituída pelos decretos 53.831/6483.080/79, que já se encontram revogados, e pelo decreto 3.048/99, que aprova o Regulamento da Previdência Social.

Ressalte-se que, apesar de revogados, os decretos 53.831/64 e 83.080/79, ainda possuem aplicabilidade, na medida em que o segurado tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial nos moldes da legislação da época da prestação do serviço (RESP 425660/SC de Relatoria do Ministro Felix Fischer, publicado no DJ em 28.04.1995).

Nesse contexto, até o advento da lei 9.032/95 admitia-se duas formas de se considerar o tempo de serviço como especial: a) enquadramento por categoria profissional: conforme a atividade desempenhada pelo segurado prevista em regulamento; b) enquadramento por agente nocivo: independentemente da atividade ou profissão exercida, o caráter especial do trabalho decorria da exposição ininterrupta e permanente a agentes insalubres arrolados na legislação de regência.

Assim sendo, até 28 de abril de 1995, para que a atividade do servidor fosse considerada especial, bastava o mero enquadramento em uma das profissões ou que determinado agente nocivo estivesse previsto nos anexos dos Decretos que regulamentam a matéria.

No entanto, após a referida data, o servidor terá de demonstrar a efetiva submissão aos agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, o que, por sua vez, deverá ser feito por meio do PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário, preenchido pelo órgão público ou por preposto autorizado, ou, ainda, LTCAT – Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.

Em relação à exigência de comprovação da efetiva submissão aos agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, os servidores públicos vêm encontrando dificuldades, na medida em que, na grande maioria das vezes, em virtude da ausência de regulamentação da matéria, o laudo em comento não foi elaborado pelo órgão público no momento oportuno, de modo que, em relação a períodos pretéritos, pode-se ficar inviável a comprovação da condição de trabalho da época.

Ocorre, no entanto, que a desídia do órgão público não poderá prejudicar o servidor, uma vez que o ônus de elaboração da documentação em questão é do órgão, sendo certo que não poderá o servidor impedido de usufruir de um benefício a que faz jus em virtude de uma competência que não lhe diz respeito.

No tocante ao valor da aposentadoria especial, deve ser levado em consideração que, para os servidores mais antigos, em especial àqueles que poderiam se aposentar de forma integral, por meio da aplicação das regras de transição instituídas pelas Emendas Constitucionais 41/03 e 47/05, o valor do benefício da aposentadoria especial poderá não ser vantajoso.

Isso por que, nos termos §1° do artigo 57 da lei 8.213/913, a aposentadoria especial consistirá numa renda mensal equivalente a 100% do salário de benefício, salário de benefício esse que, nos termos do artigo 29, inciso II4, do mesmo diploma legal, corresponde à média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, valor que, inequivocamente, será menor que a integralidade dos proventos.

No que diz respeito à conversão do tempo especial em comum, prevista pelo § 5° do artigo 57 da lei 8.213/915, regulamentado pelo artigo 70 do decreto 3.048/996, infelizmente, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que o art. 40, § 4º, da Constituição Federal não garante a contagem de tempo de serviço diferenciada ao servidor público, mas, tão somente, o efetivo gozo da própria aposentadoria7, jurisprudência essa que, com a devida vênia à Corte Suprema, encontra-se equivocada, uma vez que vai contra a própria natureza da aposentadoria especial.

O objetivo da norma que trata da aposentadoria especial é proteger o trabalhador que, durante sua jornada laboral, é submetido a condições prejudiciais à saúde e à integridade física e que, justamente por esse motivo, ficam autorizados a se aposentar de forma mais célere, uma vez que, caso fosse exigido o tempo idêntico aos demais servidores, ou seja, 35 anos se homem e 30 anos se mulher, esses servidores possivelmente não chegariam, ao tempo da aposentadoria, com saúde plena para gozar do tão almejado benefício.

Nesse contexto foi que o §5° do artigo 57 da lei 8.213/91 dispôs sobre a possibilidade de o segurado que tenha trabalhado sob condições especiais, mas que não tenha atingido o tempo suficiente para se aposentar, converta esse período em comum, conferindo, portanto, igual proteção ao período trabalhado sob condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, mas, insuficiente para concessão do benefício especial.

Tem-se, portanto, a aplicação do princípio da isonomia em seu aspecto material, justificando-se esse privilégio outorgado aos servidores submetidos aos agentes prejudiciais à saúde justamente pelo risco de degradação da sua integridade física, de modo que sua aposentação em um tempo menor de contribuição, bem como a possibilidade de conversão do período especial em comum, visam combater a desigualdade existente entre esses servidores e aqueles que não trabalham sob condições nocivas à saúde.

Cabe ressaltar que a vedação de conversão instituída pelo Supremo Tribunal Federal, ao argumento de que se incidiria na proibição de contagem de tempo de contribuição fictício, não se aplica as hipóteses de conversão de tempo especial em comum, uma vez que o tempo de serviço em questão foi devidamente prestado, em condições especiais, sendo certo que é justamente essa condição especial que autoriza a conversão dos períodos especiais em comuns, sob pena de, frise-se, ignorar-se a natureza do instituto.

Por fim, merece especial ressalva o fato de que, no Regime Geral de Previdência, as empresas que desenvolvem atividades de risco contribuem com uma alíquota extra de 1% (risco leve), 2% (risco médio) ou 3% (risco grave), Art. 22, inciso II, alíneas a, b e c da lei 8.212/918, justamente para financiar os benefícios de aposentadoria especial, sendo certo que a criação de uma contribuição nos mesmos moldes, a ser paga pelos órgãos que desenvolvem atividade de risco, enceraria a discussão acerca da contagem de tempo de contribuição fictício, na medida em que a contribuição “extra” serviria justamente para possibilitar a conversão do tempo de serviço especial em comum.

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1 MI 721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007 PP-00029 EMENT VOL-02301-01 PP-00001 RTJ VOL-00203-01 PP-00011 RDDP n. 60, 2008, p. 134-142; MI 795/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe. 22/5/2009 e ARE 727.541-AgR/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe de 24/4/2013. 2

2 Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(…)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
(…)
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

3 Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.

4 Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
(…)
II – para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.

5 Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

(…)

§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício

6 Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:

TEMPO A CONVERTER

MULTIPLICADORES

MULHER (PARA 30)

HOMEM (PARA 35)

DE 15 ANOS

2,00

2,33

DE 20 ANOS

1,50

1,75

DE 25 ANOS

1,20

1,40

7 MI 1577 ED-ED, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 17-02-2014 PUBLIC 18-02-2014; MI 5516 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24/10/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 18-11-2013 PUBLIC 19-11-2013;

MI 2139 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 06-11-2013 PUBLIC 07-11-2013;

MI 2139 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 06-11-2013 PUBLIC 07-11-2013

8 Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

(…)

II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:

a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

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Odasir Piacini Neto é advogado do escritório Ibaneis Advocacia e Consultoria.

 

 

Advogado inscrito na OAB/DF sob nº 35.273. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), em 2011. Mestrando em Direito pelo Centro de Ensino Unificado do Distrito Federal (UDF), autor do livro: Prescrição e Decadência dos Benefícios Previdenciários – Coleção Prática Previdenciária – Editora Juspodivm (2015) – Especialista em Direito Previdenciário (LFG – 2012). Áreas de atuação: de Direito Previdenciário e Administrativo.