Vive-se atualmente a era das restrições. Tudo é proibido e tudo que é proibido tem se transformado em conduta criminalizada. A cada dia mais se busca tentar alcançar o necessário e almejado equilíbrio social por meio do “endurecimento” da Lei. É assim com a proibição ao cigarro, com a predeterminação de horário para fechamento de bares, com a criminalização da poluição sonora e da condução de veículo automotor sob efeito do álcool, sem sequer levar-se em consideração a quantidade de álcool consumida, nem a direção perigosa por parte do condutor.
É certo que a vida em sociedade exige que os cidadãos sofram restrições mutuamente em prol da convivência pacífica e do bem comum, ou seja, daquilo que possa se chamar de interesse público. No entanto, o que se vê nos exemplos citados são atuações desarrazoadas do Estado que se agiganta e expande seus tentáculos pelos mais diversos campos de atuação individual, esmagando, tal qual um rolo compressor, direitos individuais, supostamente sob o pálio da proteção do interesse público.
O caso da discutida proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol é emblemático nesse sentido. Não há dúvida que a violência dos torcedores por ocasião de qualquer evento esportivo é lamentável. No entanto, da mesma forma, é evidente que a aquisição e consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios de futebol não está nem reflexamente relacionado com essas ocorrências.
É público e notório, e assim noticia toda a imprensa, que a violência que envolve os jogos de futebol ocorre antes e depois dos jogos, sendo raríssimos os casos em que os atos de agressão entre os torcedores tenham ocorrido durante a partida, dentro do estádio.
Tais informações são dados fáticos importantes que amparam uma conclusão jurídica ainda mais relevante, qual seja: após a publicação da Lei Geral da Copa, não há mais como se defender a proibição à venda e consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol.
Diz-se isso porque se a justificativa para que a venda de bebidas alcoólicas era a suposta proibição contida no Estatuto do Torcedor e em Leis estaduais que tratavam do tema, tal argumentação não mais se sustenta, uma vez que os Poderes Legislativo e Executivo já reconheceram, através da publicação da Lei Geral da Copa, que não há relação entre violência e bebida alcoólica nos estádios de futebol durante a Copa do Mundo de 2014, não podendo também haver tal relação nos demais jogos de futebol realizados no país rotineiramente.
Para melhor entender a argumentação exposta, necessário se faz transcrever o dispositivo que, em tese, ampara a proibição ora discutida no Estatuto do Torcedor, conforme abaixo reproduzido:
“Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
I – omissis;
II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.”
Ora, se a bebida alcoólica não é substância proibida, haja vista tratar-se de produto licitamente vendido em qualquer outro recinto, nem também é suscetível de gerar atos de violência durante a Copa do Mundo de 2014, segundo disposição da Lei Geral da Copa, deixou de existir qualquer interpretação plausível de que existe vedação para a venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol do Brasil e em qualquer evento esportivo de nosso país.
Tal conclusão baseia-se numa regra de hermenêutica jurídica básica segundo a qual as normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente, sob pena de se privilegiar a opressão do Estado sobre o indivíduo e o cerceamento de liberdades individuais.
Em verdade, a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol tem se alicerçado muito mais em argumentos extrajurídicos vindos da chamada “bancada evangélica” do Congresso Nacional, que insiste em impor seus dogmas morais e religiosos ao Estado laico brasileiro. É a pressão de uma classe organizada e poderosa, tanto financeiramente como politicamente, em detrimento de toda uma sociedade que vê crescer sobre si uma série de restrições indevidas e descabidas.
Por tudo isso, concluo que, com a publicação da Lei Geral da Copa, não há mais como sustentar a ilegalidade da venda e consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, pelo simples fato de que o fundamento da proibição embasado na relação álcool/violência nos jogos foi afastado durante a Copa do Mundo, não podendo ser mantido para os demais campeonatos realizados no país. Assim já disse o Legislativo e o Executivo, agora é aguardar que assim também entendam os julgadores do nosso Poder Judiciário.