Papel do advogado criminal tem que ser debatido

A advocacia criminal tem um importante papel no Estado Democrático de Direito. Mas, no Brasil a redefinição do papel do advogado criminal tem que ser debatida.
A priori, se o Estado acusa e o próprio Estado defende o réu, é um forte sinal da necessidade de se rever os mitos do direito (ou dever) de punir do Estado, bem como acerca da obrigatoriedade da ação penal. O ideal então é adotarmos o princípio da oportunidade da ação penal pelo Ministério Público em casos de delitos menos graves.

Por

outro lado, tem se observado que a OAB Federal tem tido três pontos de debate mais contundente na área criminal: Local em que senta o Promotor no Júri, remessa do Inquérito Policial direto ao MP, e poder do MP investigar.

Em relação ao item 1, o lugar que senta o Promotor pouco influencia na decisão dos jurados. O que os jurados acham estranho é o fato de que o advogado não senta ao lado do seu cliente em muitos julgamentos, mas isto a OAB não discute. O Promotor sentar à direita do Juiz é uma questão tradicional do direito europeu, a origem do nosso direito. Muitos assistem muitos filmes norte-americanos e querem uma simetria imediata, mas são origens diferentes, afinal naquele país é o direito anglicano que prevalece. Inclusive lá o Promotor pode retirar ação penal e decide quais ações serão ajuizadas, inclusive as investigações, não sendo escolhido por concurso (da mesma forma que o Juiz nos Estados Unidos), pois lá existem várias formas de seleção de juízes e promotores, em muitos casos eleições diretas ou indiretas para mandatos, e escolha política para a área federal. No Brasil, há algumas décadas o cargo de Procurador Geral, o Promotor no STF, era ocupado por um Ministro do STF indicado para a função. Em suma, o lugar que senta o Promotor no Júri não vai mudar a situação do réu no Brasil.

No tocante ao item 2. Questionar a remessa direta do Inquérito Policial ao MP parece ser um equívoco, pois a triangulação ou remessa direta ao MP em nada muda a situação do réu, apenas retarda o julgamento em “prazo razoável”, como previsto na Constituição, mas esta triangulação chega a gastar seis meses para se bater carimbos. De fato, para se quebrar sigilo terá que ter autorização judicial, mas nos demais casos a relação deveria ser direta entre Promotoria e Delegacia.

Alegar também que não teria acesso dos autos no MP, mas ter acesso na Delegacia, chega a soar estranho. Outrossim, pode-se denunciar sem o Inquérito Policial ou antes da conclusão do mesmo. Além disso, vários outros órgãos públicos e até pessoas enviam documentos que narram crimes diretamente ao MP, o qual já pode denunciar. Logo, exigir a triangulação (passar pelo Judiciário) que leva de três a seis meses este ato burocrático é uma bandeira de pouca relevância.

Quanto ao item 3. Se o processo penal busca a verdade real como alegam os “manuais de processo”, então o MP investigar não tem problema algum. Por outro lado, toda parte investiga. Aliás, o próprio BOM advogado investiga para o seu cliente, pois não pode ser mero despachante judicial. Logo, tanto o advogado do réu, como o advogado do autor, se for bom advogado, este investiga e busca provas. A polícia investiga alguns crimes, enquanto a Receita Federal investiga outros, a CVM investiga outros delitos, a Vigilância Sanitária investiga crimes também, e até a vitima investiga. Além disso, o Ministério Público investigar é uma conduta comum em todos os países democráticos. E alegar que estaria o Ministério Público selecionando os delitos, isto é quase que uma ingenuidade. Afinal, até o soldado da PM na rua seleciona quem ele vai abordar na rua, a Polícia Civil seleciona quais casos vai investigar (pois não consegue investigar todos) e o Judiciário seleciona quais os processos vão para a pauta de julgamento e seleciona também “quais ficaram na prateleira ou na gaveta, ainda que digital, até prescrição”

Com a devida vênia, mas estes temas adotados pela OAB como prioridade na área criminal pela OAB não vão melhorar em nada a situação do réu, nem melhorar o sistema de justiça criminal. Melhor seria debater temas que realmente interferissem na atual estrutura processual penal inquisitória e inconstitucional como: Vedar, ou não, que o juiz, sem remeter os autos ao PGJ, condene o réu quando o MP pede absolvição; questionar, ou não, o fato de o juiz prender de ofício, sem pedido das partes, pois é mais grave ser preso do que o lugar que o Promotor senta; impedir, ou não, que o Juiz aplique sanções de ofício na execução penal, ou no mesmo caso do item 1; discutir se o juiz pode investigar, ou não. Pois há casos em que é o Judiciário investiga e a OAB não questiona isto; debater se a assistência jurídica no momento da lavratura da prisão em flagrante é essencial ou apenas facultativa, pois neste caso tem sido negligenciada, embora possa ser fundamental na fase judicial; e definir se o juiz que aplicou o art. 28 do CPP pode continuar no processo, pois já prejulgou.

Ademais, um dado que precisa ser analisado mais profundamente é que entre 2003 e 2010 a quantidade de presos passou de 300 mil para quinhentos mil, conforme dados do DEPEN. Este período coincide com a entrada no Governo Federal com forte ideologia estatizante, inclusive na Assistência Jurídica. O que reforça a tese de que não basta fortalecer a defesa, mais sim criar para o réu mecanismos que permitam escolher o seu advogado. E ainda, permitir à acusação não processar o réu, e vedar que o Juiz assuma a acusação, ainda que indiretamente, através de um processo inquisitório, o qual viola a regra constitucional do processo contraditório, ou seja, processo de partes.

Outro ponto relevante é que o Defensor Público atualmente não quer ser advogado, nem estar inscrito na OAB e isto gera insegurança jurídica em milhões de processos, pois a Constituição Federal definiu que a Instituição tem a atribuição, não exclusiva, de prestar assistência jurídica, e vedou o exercício da advocacia fora de suas atribuições institucionais. Logo, o ideal seria que todos os processos criminais no Brasil em que o Defensor Público não está inscrito na OAB ficassem suspensos até que o STF consiga arrumar um tempo para julgar esta ADIN, pois podem estar nulos conforme for a decisão do STF. Ademais Tratados Internacionais asseguram acesso a Advogado como direito de defesa, e não apenas acesso a servidor público com formação jurídica. E assistência jurídica tem que ser através da representação processual e não como substituta processual da parte, mas a OAB demorou muito para se posicionar com relação a este tema e mesmo assim manifesta-se mais publicamente acerca do lugar que assenta o Promotor do que se é essencial, ou não, que no júri tenha advogado.

Por fim, os temas sugeridos, além de outros, certamente são de mais interesse processual do que as atuais bandeiras da OAB e poderiam mudar a atual situação do réu e do sistema de justiça criminal.

 

Nascido em Brasília em 10 de julho de 1971, formou-se em Direito no Uniceub em 1993. É pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil. Conselheiro Seccional eleito por duas gestões 2004/2009, tendo presidido a Comissão de defesa e prerrogativas da OAB/DF. Vice-presidente da OAB/DF no período de 2008/2009. Ocupou o cargo de Secretário-Geral da Comissão Nacional de Prerrogativas do Conselho Federal da OAB na gestão 2007/2010. Eleito Presidente da OAB/DF para o triênio 2013/2015, tendo recebido a maior votação da classe dos advogados no Distrito Federal com 7225 votos. É diretor do Conselho Federal da OAB na gestão 2016/2019, corregedor-geral da OAB e conselheiro federal pela OAB/DF.