Quem pretende ser juiz federal precisa ter um mínimo de qualificações. E isso não significa apenas conhecer bem a lei. Passa também pelo domínio da gramática e até mesmo pela postura do candidato. Presidente da Comissão de Concurso para o ingresso da magistratura do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, o desembargador Poul Erik Dyrlund coleciona histórias de candidatos que abusaram da sorte e saíram da disputa por não se portar da maneira como se espera de um juiz.
“Eu já entrei em uma sala onde havia um candidato sentado em uma cadeira com o pé em cima da mesa. Ele está fazendo um concurso para juiz. O fato de estar nervoso não justifica esse tipo de atitude. Outro apareceu no tribunal vestido com roupa de surf. Tudo bem que ele vai à praia depois para surfar. Mas melhor ir logo. Foi o que aconteceu. Ele nem entrou no prédio.”
Para o desembargador, o juiz deve ter uma vida mais restrita, dentro e fora do seu local de trabalho. O Judiciário, diz, vive da confiança. “O jurisdicionado pode olhar para um juiz, que agiu mal, e dizer: ‘O juiz federal é um sujeito arbitrário, dá logo carteirada’. A generalização ocorre de forma muito rápida”, explica.
Poul Erik também diz que, quando a pessoa passa a ser juiz, se sente autorizada a fazer as coisas com a ideia de que ninguém vai lhe chamar a atenção. “O CNJ tem sofrido uma certa incompreensão por causa disso. Antes da sua criação, havia essa possibilidade de não chamar a atenção do juiz. O Conselho tem agido, a meu juízo, com certo exagero. Mas é normal; é uma instituição nova, que está tentando estabelecer padrões”, diz. No passado, conta, o juiz chegava ao aeroporto, apresentava-se como juiz federal e determinava que arrumassem um lugar para ele no avião que seguia para Brasília. “Não pode ser assim. Há uma certa confusão com a coisa pública. Mas tudo faz parte de um aprendizado”, conclui. Para ele, o Judiciário tem avançado, ainda que com resistências, na separação do público e do privado.
O conhecimento para quem quer ser juiz também é fundamental. “No último concurso, um candidato citou leis que já haviam sido revogadas. O juiz tem que saber, no mínimo, que há uma nova lei”, afirma Poul Erik. Ele também contou o caso de um candidato que não sabia o que era IPI (Imposto sobre Produto Industrializado). “Ele disse que era Imposto sobre Propriedade Intelectual. Não dá.”
Atualmente, o TRF-2 está com um concurso aberto para magistratura. São 48 vagas, com perspectiva de mais 20. Para o desembargador Poul Erik, talvez o tribunal não consiga preencher essas vagas, justamente pela falta dos requisitos mínimos exigidos dos candidatos.
Nessa entrevista, concedida para o Anuário da Justiça Federal, Poul Erik, que preside a 8ª Turma e a 3ª Seção do TRF-2, especializadas em matéria administrativa, também conta do caso envolvendo pessoas que moram dentro do Jardim Botânico — o parque; não o bairro. Faz, ainda, uma reflexão acerca da questão das cotas nas universidades públicas, do Exame de Ordem e da implementação de políticas públicas por determinação do Judiciário.
Com ascendência brasileira e dinamarquesa, Poul Erik Dyrlund nasceu em Quito, no Equador. Formou-se em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 1982, e tem mestrado pela Universidade Gama Filho. Já atuou como juiz dos Tribunais de Justiça Desportiva das Federações de Ciclismo e de Atletismo do Estado do Rio de Janeiro e foi empossado como promotor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Judô. Antes de ingressar na magistratura, em 1989, foi empossado promotor de Justiça em São Paulo, em 1984, e no Rio, em 1986. Está no Tribunal Regional Federal da 2ª Região desde 2001. Nos últimos três concursos para juiz, preside a Comissão que cuida dos certames.
Leia a entrevista:
ConJur — Uma das discussões que, de vez em quando, surge nos Tribunais Regionais Federais é quanto à exigência da aprovação no Exame da Ordem para que o bacharel possa exercer a advocacia. Como o senhor avalia essa questão?
Poul Erik — O Exame da Ordem existe dentro de um contexto. Há uma proliferação de faculdades de Direito que não vem acompanhada de um nível mínimo de qualidade. A faculdade de Direito forma o bacharel, e como tal é possível exercer várias atividades profissionais. Não precisa, necessariamente, ser advogado. Mas quem se habilita a exercer o cargo de advogado, que é uma função pública, deveria ter uma qualificação mínima. Pelo que estamos vendo, essa qualificação mínima não está sendo atendida. Teria de saber o motivo pelo qual isso está acontecendo. A OAB procura, de alguma forma, filtrar. Se for verdade que essa qualificação está tão baixa, parece que, hoje, o Exame da Ordem é necessário. Pode ser que amanhã seja possível abandoná-lo.
ConJur — O senhor é presidente da Comissão de concursos no TRF-2. É possível notar que é baixa a qualificação do candidato?
Poul Erik — No atual concurso, temos um universo de 48 vagas, com uma perspectiva de mais 20, totalizando 68 cargos. Eles deveriam ser preenchidos rapidamente, mas nós temos uma dificuldade imensa de preencher esses cargos. Parece que a qualificação não é muito adequada. Será que o Exame da Ordem é um mecanismo bom ou será que a gente pode ter outro? Será que o MEC[Ministério da Educação e Cultura] não devesse fazer uma fiscalização mais forte e não aprovar a abertura de tantos cursos? Poderia ser uma solução que dispensasse o Exame da Ordem. Mas é preciso ter os dados para poder dar uma opinião mais firme.
ConJur — O concurso foi aberto para preencher 68 vagas de juiz. Só que, hoje, a primeira instância da Justiça Federal já está precisando de mais julgadores.
Poul Erik — Nunca vamos ter o quadro funcionando plenamente. Mesmo que os 48 cargos sejam preenchidos, haveria uma entressafra. Talvez precisasse de mais. No entanto, já se anunciou que a lei orçamentária não autoriza. O Supremo está tentando uma recomposição salarial de seis anos. A corte fez uma conta de 2,5% ao ano de inflação. Em números redondos, representa 15% de recomposição do poder aquisitivo de um período de seis anos em que não há nenhum tipo de reajuste. E o Executivo já acena com uma dificuldade para a recomposição.
ConJur — Há mais vagas que candidatos aprovados nos concursos públicos da magistratura. Por que isso acontece?
Poul Erik — Há uma ideia equivocada de que a aprovação menor é para valorizar o concurso. Não é. A pessoa que se propõe a ser juiz federal precisa ter o mínimo de qualificações. Conhecer bem a lei não é suficiente se, por exemplo, não dominar a gramática. Não pode haver um juiz que não saiba conjugar verbos, a pessoa tem que saber se exprimir. Do contrário, passa uma imagem muito ruim. O Judiciário vive da confiança. Não dá para vir com a barba por fazer, com o terno rasgado. A imagem também conta. Eu já entrei em uma sala onde havia um candidato sentado em uma cadeira com o pé em cima da mesa. Ele está fazendo um concurso para juiz. O fato de estar nervoso não justifica esse tipo de atitude. Outro apareceu no tribunal vestido com roupa de surf. Tudo bem que ele vai à praia depois para surfar. Mas melhor ir logo. Foi o que aconteceu. Ele nem entrou no prédio. A vida do juiz não é um glamour; é uma vida de muito estudo, de muita dedicação. E a parte do conhecimento é fundamental. No último concurso, um candidato citou leis que já haviam sido revogadas. O juiz tem que saber, no mínimo, que há uma nova lei. Teve um caso que entrou para a antologia. Nós temos o Imposto sobre Produto Industrializado [IPI]. Um candidato disse que era Imposto sobre Propriedade Intelectual. Não dá. Ele não sabe o que é IPI. Isso é uma coisa muito séria. O magistrado tem atribuições que vão mexer com a sociedade e com a vida das pessoas.
ConJur — A pessoa muda depois que passa a ser juiz?
Poul Erik — A Lei Orgânica da Magistratura exige que o juiz tenha um certo comportamento. E eu concordo que seja assim. Há quem argumente que não vai deixar de ser ele mesmo. É a questão da imagem. Não é que a pessoa vai se tornar um santo, ser benzido e canonizado. Mas há determinados comportamentos que terá de deixar de lado. O jurisdicionado pode olhar para um juiz, que agiu mal, e dizer: “O juiz federal é um sujeito arbitrário, dá logo carteirada.” A generalização ocorre de forma muito rápida. A pessoa é juiz 24 horas. Não dá para sair do fórum, do tribunal, e andar com a camisa aberta e colocar um medalhão. É preciso ter certo cuidado no dia a dia. O juiz sofre restrições. É muito interessante, porque quando alguém assume a função de juiz, passa a reafirmar todas as suas qualidades e os seus defeitos. Ele se sente autorizado a fazer as coisas e tem a ideia de que ninguém vai poder lhe chamar a atenção. O CNJ tem sofrido certa incompreensão por causa disso. Antes da sua criação, havia essa possibilidade de não chamar a atenção do juiz. O Conselho tem agido, a meu juízo, com certo exagero. Mas é normal; é uma instituição nova, que está tentando estabelecer padrões. O CNJ diz: “Olha, o automóvel é público. Não é para levar a mulher, as crianças e a sogra no final de semana para Cabo Frio.” No passado, tivemos situações muito estranhas. O juiz chegava ao aeroporto, apresentava-se como juiz federal e determinava que arrumassem um lugar para ele no avião que seguia para Brasília. Não pode ser assim. Há certa confusão com a coisa pública. Mas tudo faz parte de um aprendizado.
ConJur — E o Judiciário tem aprendido a separar o público do privado?
Poul Erik — Tem. Claro que existem, com uma frequência menor, desvios de condutas nos grandes centros, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Mas, nos lugares em que o Judiciário não é tão focado, eles ficam mais nítidos. Nesses locais, há resistência, o que é normal. Ninguém vai construir a cidadania com amores e beijos. Vai haver atrito e é importante que haja. A dor é inerente a essa construção. A gente precisa ter consciência disso.
ConJur — Falando em separar o público do privado, já passou pelo TRF-2 uma discussão envolvendo o Jardim Botânico e pessoas que possuem casas dentro do parque.
Poul Erik — É uma questão muito séria. Há um grupo de pessoas que vive lá há anos. E essas pessoas acabaram tendo uma percepção de que são proprietárias da área. E é algo maravilhoso, porque não se paga IPTU por ser bem público federal. Não se paga luz, gás, água, nada, além de ter segurança.
ConJur — E o processo continua tramitando na Justiça?
Poul Erik — Sim, temos várias ações. Em Brasília, já houve uma decisão do ministro Herman Benjamin, que fez um levantamento desde a fundação do Jardim Botânico até os dias atuais, com toda a evolução do regime jurídico do local, e concluindo que, realmente, não tem como as pessoas permanecerem. Mal comparando seria o caso de alguém que tivesse feito uma residência no meio do gramado do Maracanã. Aquilo é um bem público. O que houve no caso do Jardim Botânico é que as casas foram construídas para atender uma situação emergencial, já que o deslocamento era muito distante e as pessoas que trabalhavam no local ficaram por ali. Houve uma tolerância do Poder Público. É claro que o Poder Público tem que dar alguma condição, fazer uma negociação, mas a permanência não me parece ser viável.
ConJur — E essas ações ainda não tiveram fim?
Poul Erik — Não, porque é tudo pontual. Tem que analisar caso a caso. A regra é a não permanência. Cabe ao Judiciário decidir. E quem vai executar a decisão é o Poder Público. Não cabe a nós executar, já é algo que foge a nossa alçada. Esse papel é da União. Quando a ação chega na fase de execução, há uma pressão muito grande em torno do governo.
ConJur — O governo pode não executar a decisão e deixar os moradores continuarem no Jardim Botânico. Isso não cria uma certa desmoralização do Judiciário?
Poul Erik — Não. Olhando de fora, parece que a decisão está sendo desprezada. Mas o sistema legal está montado dessa forma. Talvez este sistema projete uma ideia de desmoralização. O Judiciário reconhece o direito a uma determinada pessoa. É ela quem vai efetivar ou não aquele direito. Eu não posso ser mais realista que o rei. Pode ser que a própria União é que esteja sendo desmoralizada.
ConJur — Talvez não uma desmoralização, mas uma ineficácia.
Poul Erik — É. Porque, às vezes, roda-se a máquina judiciária e, no final, não dá resultado. É melhor que a União, de forma mais transparente, nem ajuizasse essas ações. Isso gera um desgaste imenso, porque as famílias fazem pressão. E, no final, na hora de efetivar, a União se recusa. É complicado. Há algumas hipóteses em que nós temos, por autorização legal ou constitucional, a possibilidade de executar aquilo que nós determinamos. Mas isso é excepcional. Talvez tenhamos que adotar um novo modelo para evitar essa ineficácia.
ConJur — E no caso de recursos em que a União insiste em uma tese que já está para lá de pacificada no tribunal?
Poul Erik — Isso é sempre complicado. Hoje, nós temos algumas barreiras, como súmula vinculante, controle concentrado de constitucionalidade, recursos repetitivos no STJ. Tudo isso envolve a tese de direito já consagrada. Mas cada processo tem sua peculiaridade. Abstratamente falando, o entendimento é um, mas será que ele se aplica em determinado caso? A União recorre muito em função da discussão do fato. Claro que tem recurso envolvendo matéria de direito que ela poderia não recorrer. Mas daí é uma questão de escolha. Ela acaba, segundo se alega, protelando um pouco aquele pagamento, que já é feito através de um meio complicado, o precatório. São maneiras de rolar a dívida. Mas, muitas vezes, tem recurso que é necessário. Para saber se há abuso, teria que fazer um levantamento. A mídia diz que há esse abuso. Eu não sei se há. Porque, no mínimo, vou examinar se o juiz fixou os honorários de forma correta. Não tem jeito, vou ter que olhar o caso concreto.
ConJur — O fato de a decisão ser contra a União faz com que o Judiciário diminua os honorários de sucumbência ou que não aplique multas quando há recursos protelatórios?
Poul Erik — Não. Isso pode até acontecer, por haver uma ideia de que somos nós de um lado, a União do outro. Mas, na verdade, União, estados e municípios são todos gestores da coisa pública. No plano constitucional seriam representantes da sociedade. A própria jurisprudência dos Tribunais Superiores diz que a maneira de fixar o dano moral de um particular em relação a particular é uma; a de fixar em relação ao poder público é outra. Até porque o volume de ações contra o poder público é enorme, e, no final das contas, quem vai acabar pagando somos todos nós, de uma forma direta ou indireta. Isso não significa que o juiz vai fixar um valor simbólico. Mas não pode ser um valor exagerado. E os honorários também não podem servir como forma de punição. Tem aquela expressão: “Não existe almoço grátis.” E não existe mesmo. Você pode ser muito simpática a uma ONG, mas, quando o poder público der a isenção para essa ONG, ele vai deixar de arrecadar e terá de buscar a recomposição do valor em outro lugar.
ConJur — Nós temos instrumentos suficientes para cobrar dos gestores da coisa pública uma melhor administração dos recursos?
Poul Erik — Com certeza. Mas isso é um processo extremamente complexo. Nós temos uma das leis mais avançadas do mundo, editada em 1965, que é a lei da ação popular. É uma lei tão avançada que até hoje poucas pessoas sabem manuseá-la. Essa lei permite que o cidadão ingresse com ação, independentemente do pagamento de qualquer valor, mesmo que, ao final, perca a demanda. Ele só será condenado a pagar algo se ficar comprovado que agiu de má-fé. É uma maneira de fazer o controle. Mas, para fazer esse tipo de controle, é preciso ter uma cidadania ativa. O nó está em como tornar essa cidadania presente. Na verdade, nós exercemos a cidadania apenas a cada quatro anos, quando comparecemos para votar. Não tem uma cidadania que seja permanente, dinâmica, que compartilhe e acompanhe as coisas. Nós temos instrumentos, só que não sabemos usá-los.
ConJur — A questão das cotas nas universidades públicas tem sido discutida no TRF?
Poul Erik — Tem, mas, por enquanto, não apreciei nenhuma questão de mérito. Essa também é uma discussão tormentosa. Tem um voto muito bom do ministro Gilmar Mendes [do Supremo Tribunal Federal] em torno da questão da cidadania. A cidadania passa ou não pela cota? Eu tenho meditado a respeito disso. Nós temos as cotas, porque vislumbramos uma parcela da sociedade que não tem o preparo ideal para poder ascender a determinadas situações. Mas será que a solução passa pelas cotas? Ou temos que melhorar a qualidade da educação, para que todos tenham oportunidade de poder concorrer em pé de igualdade? Por outro lado, a cota, no momento atual, pode ser necessária, devido à realidade do país, incapaz de atender a essa melhor qualificação.
ConJur — O senhor já chegou a alguma conclusão?
Poul Erik — Não. É preciso estar muito sintonizado com a realidade do país para não ter uma posição preconceituosa. O que a gente tem visto são problemas sérios, principalmente no Espírito Santo. A Universidade Federal do Espírito Santo adotou as cotas. Pessoas que têm sucesso no vestibular, mas são preteridas pelo cotista, buscam o Judiciário. A gente sente uma revolta do cidadão, que deixa de ingressar na faculdade, porque tem que dar espaço ao cotista. Isso é ruim, porque a gente também vai gerando, por outro lado, divisões na sociedade. É uma questão muito delicada, que vai além da discussão jurídica.
ConJur — Em que medida o Judiciário pode determinar ao Executivo que implemente uma política pública?
Poul Erik — Nós construímos isso. Quem deu o grande pontapé foi o decano do Supremo, o ministro Celso de Mello, na ADPF 144, em que ele estabelece os parâmetros. Não cabe ao Judiciário, em princípio, formular nem implementar política pública. Mas ele chamou atenção ao fato de que algumas políticas públicas já estão formuladas na Constituição. Nesse caso, cabe ao Judiciário, uma vez provocado e com as cautelas devidas, implementar essas políticas. Um dos pressupostos destacados pelo ministro foi a cláusula da reserva do possível. Cada vez mais os Tribunais Superiores estão determinando que o poder público deva, no caso concreto, demonstrar a inexistência de determinada verba. Não demonstrando, presume-se que exista. Mas essa é uma tarefa dos Tribunais Superiores. No primeiro e segundo graus, predomina o exame do aspecto jurídico. No Tribunal Superior, há algo a mais, que permite uma mescla da questão jurídica com a própria política pública. Não acho que o Tribunal Superior, ao determinar a implementação de uma política, esteja invadindo a esfera do Poder Executivo ou Legislativo. A Constituição, quando estabelece a forma de escolha dos ministros, escolhe a política. A pessoa passa por um duplo crivo, Senado e Executivo. É claro que o escolhido vai se manifestar em termos jurídicos. Mas há um componente político previsto pela Constituição.
ConJur — Faltam juízes de carreira no Supremo?
Poul Erik — É outra questão complicada. Eu acho que a mescla é importante. Eu digo que foi uma sorte para o Supremo o ministro Luiz Fux ter sido escolhido, porque ele foi promotor de Justiça, juiz de primeiro grau, desembargador e ministro do STJ. Passou por tudo. Ele tem uma visão caleidoscópica da coisa. Ele leva uma percepção que a maioria, embora sejam pessoas qualificadas, não teve a oportunidade de ter. Mas não sei se a predominância de juiz de carreira seria uma boa. Talvez ficasse uma visão muito cristalizada. É importante ter uma mescla, porque o órgão colegiado é troca. A ministra Cármem Lúcia vem da Procuradoria do Estado de Minas, ou seja, tem uma visão da advocacia pública. O próprio ministro Marco Aurélio veio com uma percepção da Justiça do Trabalho. Quanto mais ideias sendo colocadas no ar, melhor. E, hoje, temos até outra figura que é o amicus curiae, em que pode trazer a participação de terceiros.
ConJur — Como senhor avalia a PEC dos Recursos, que pretende fazer com que as decisões passem a ser executadas a partir da análise do processo pelo segundo grau?
Poul Erik — É outra questão bem complicada. Eu já li a PEC uma ou duas vezes. O fundamento passa pela celeridade. Eu realmente não sei. Acho que nosso sistema processual é propenso a permitir uma discussão ampla. O ministro Peluso [autor da PEC] trouxe uma ideia no sentido que isso permite o ingresso logo na fase de execução e depois ficaria só para ação rescisória. Mas acontece que na própria ação rescisória é possível suspender. Dizem que seria mais difícil, porque os requisitos são mais severos. Pode ser. Mas é muito difícil falar em abstrato, ainda mais sobre uma situação jurídica que ainda não se experimentou.
ConJur — A PEC valorizaria os Tribunais Regionais, considerados, hoje, tribunais de passagem?
Poul Erik — Com certeza. Valorizaria no sentido de dar maior responsabilidade aos regionais, aos Tribunais de Justiça. Mas também não sei até que ponto isso seria válido ou não. Em princípio, a ideia é muito boa. Só não sei se funciona. Na teoria está muito bom, mas, na prática, pode gerar mais problemas do que já tem efetivamente.