As leis brasileiras que regulam as relações familiares não preveem indenizações por eventuais danos sofridos, morais ou materiais, decorrentes do descumprimento das obrigações parentais ou afetivas. Isso explica, em parte, o fato de a jurisprudência ainda se mostrar amplamente majoritária no sentido de rejeitar indenizações decorrentes, entre outras, de agressões físicas ou de lesões a direitos de personalidade oriundas das relações de parentesco. Mas esse cenário não pode ser considerado definitivo e já é possível perceber importantes mudanças nos tribunais. Várias delas merecem destaque em Da Culpa e do Risco, do advogado e professor Nehemias Domingos de Melo.
No livro, que volta ao mercado editorial em nova edição, o autor analisa, primeiro, os fundamentos da responsabilidade civil, tanto subjetiva, baseada na culpa, como da objetiva, fundada no risco de diversas espécies, especialmente o moral e estético, sem se descuidar das teorias que embasam as decisões judiciais. Depois, na segunda metade da obra, são apresentados os temas de maior destaque na atualidade, entre os quais as indenizações nas relações parentais e de afeto, uma área, por si só, repleta de aspectos controvertidos.
Embora reconheça e aborde todas as polêmicas envolvidas, Nehemias Domingos considera “pífia” tanto a alegação de falta de previsão legal quanto a máxima de que “não se paga a dor ou a vergonha”, como justificativas para afastar, por exemplo, o direito de indenização por danos morais para o cônjuge ou conivente que, saindo de uma relação familiar, venha a sofrer injúria, agressão física, traição ou dilapidação do patrimônio em comum. Para ele, o fundamento para a indenização por danos morais derivado das relações parentais se encontra nos princípios gerais da responsabilidade civil prevista nos artigos 186 e 187 do Código Civil, cotejados com o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal.
“Não se pode confundir a necessidade de reparação com a imposição de pensão alimentar, porquanto esta não tem o caráter de sanção”, ressalta o autor. Entre os vários casos analisados por ele no livro está o de um homem que teve o direito à indenização reconhecido ao descobrir, depois de 25 anos de casamento, que não era o pai biológico dos filhos criados por ele. A indenização, de R$ 200 mil, a ser paga pela ex-mulher, decidida pelo juízo de primeira instância, foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e, depois, pelo Superior Tribunal de Justiça.
Outra tese polêmica de responsabilidade civil nas relações parentais destacadas no livro envolvem pedidos de indenizações com fundamento no abandono moral ou afetivo, reconhecida em inúmeras sentenças de primeiro e segundo graus e até mesmo em julgamentos realizados no STJ. Entre os casos narrados pelo autor, aparece uma decisão tomada este ano pela ministra Nancy Andrighi, obrigando o pai a indenizar uma filha por abandono afetivo. “Amar é faculdade, cuidar é dever”, assinalou a ministra, para quem não há por que excluir os danos decorrentes das relações familiares dos ilícitos civis em geral.
Em face da jurisprudência que começa a ser firmada a respeito do tema, Nehemias Domingos faz uma dupla advertência: ao profissional do direito, que tenha cautela na propositura de ações a esse título, e ao judiciário, que paute suas decisões pela prudência e severidade, “de sorte a não dar guarida a um sentimento de vingança, em que a criança, apenas e tão somente, seja usada como instrumento na obtenção de indenizações”.