Imunidades devem ser extintas, para o Brasil crescer

O artigo 150 da Constituição estabelece as limitações do poder de tributar a todos os entes federativos, independente de outras garantias concedidas aos contribuintes. Em seu inciso VI, proíbe a cobrança de impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Como todos os demais artigos da CF, tais normas destinam-se ao cumprimento do que está no preâmbulo, onde afirma-se que:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”

O texto da nossa Lei Maior não vem sendo cumprido em boa parte. Em alguns pontos, chega a ser muito clara sua não aplicabilidade, o desvio até criminoso de suas finalidades, enfim, que ainda estamos longe de uma nação onde estejam de fato presentes  a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias

Para que tenhamos segurança em nossa vida jurídica, a CF garante a inviolabilidade de vários direitos e garantias fundamentais (artigo 5º), afirmando que: “XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Todavia, como é público e notório, as interpretações do texto constitucional variam ao longo do tempo, eis que os valores sociais interferem nos fatos e fazem mudar as normas que os regulam. Tal  fenômeno mudou a constituição várias vezes, como, por exemplo, na questão do divórcio.

Apesar de serem claras as normas já citadas e as demais contidas nas chamadas cláusulas pétreas, nossos tribunais já decidiram em sentido contrário, invocando uma flexibilização fática discutível nas academias e divulgada em livros onde juristas defendem teorias aplicáveis em sociedades totalmente diferentes da nossa, seja pelo seu desenvolvimento econômico cultural, seja pelos seus valores morais, forma de governo, tradições, etc.

A única imunidade que se justifica é a da letra “a”, por motivos óbvios contidos em seu texto.

Apesar de já termos publicado recentemente nosso entendimento sobre a imunidade dos templos, outros fatos devem ser analisados.

Não se trata de invocar a questão de ser este um país laico. A questão não é religiosa, mas econômica e social, ainda que no preâmbulo da CF tenha sido invocado o nome de Deus. As estatísticas nos informam que a maior parte de nossa população é cristã, especialmente de católicos. São pouco relevantes e até poderiam ser desconsiderados os números relativos a ateus e agnósticos.

Democracia é o governo do povo, cabendo a cada pessoa um voto e as decisões devem ser as ditadas pela maioria, respeitando-se a minoria.

Mas não há, nesta fase de nossa historia e ante os fatos com que nos defrontamos a nível internacional, razão para que prevaleça a imunidade a templos.

As entidades religiosas mantenedoras de templos devem pagar os tributos devidos pelas pessoas jurídicas, a cujo gênero pertencem, adequando-se às normas fiscais, mantendo contabilidade etc.

Já não estamos no tempo de religiosos de viviam da caridade dos mais ricos para socorrer os mais pobres. As entidades religiosas hoje são organizações gigantescas, com métodos de arrecadação e administração similares aos dos grandes conglomerados multinacionais.

Muitas possuem  subsidiárias em outros países, a exemplo do que a própria Igreja Católica criou há séculos, não importando se a primeira as denomina de dioceses ou paróquias, enquanto as demais as tratem por igrejas, ministérios, templos ou qualquer outro nome.

Localizando-se em um país que deve atender as necessidades de seu povo previstas na Carta Magna, e considerando que todos devem ter o mesmo direito aos serviços públicos, as igrejas devem pagar tributos, até mesmo para atendimento de ateus. No hospital público não se pergunta religião.

Devem contribuir com os tributos (a Cesar o que é de Cesar) eis que o poder público responde pelos recursos necessários ao financiamento dos custos e despesas inerentes à consecução do bem comum: justiça, segurança, educação, saúde, investimentos etc.

Por outro lado, desde muito tempo as igrejas acumulam patrimônios incalculáveis para o deleite de poucos, em alguns casos em aparente  negação aos princípios que negam. Trata-se, talvez, de desvio de conduta de seus dirigentes. Mas as igrejas são instituições dogmáticas, não democráticas. Assim, pretendem não se sujeitar a mecanismos de fiscalização e auditoria adequados, permitindo que seus dirigentes confundam o patrimônio adquirido com imunidade com aquele que se transfere para seus dirigentes e funcionários, sem qualquer controle tributário.

Na Itália a Santa Sé (Igreja Católica) possui 100 mil imóveis e, com um patrimônio declarado no mundo de US$ 8 bilhões (dólares americanos), deve pagar neste ano impostos que podem atingir 1 bilhão de euros. Não há, por outro lado, avaliação conhecida nem destino prometido para as maravilhosas obras de arte acumuladas ao longo de séculos. Certamente  os valores aplicados em tais obras seriam mais úteis se utilizados em assistência social nos países mais pobres do mundo, onde a miséria, a fome e a doença ainda ceifam vidas diariamente.

O mesmo ocorre em outras igrejas, onde muitas vezes constroem-se obras absurdamente suntuosas sem necessidade, apresentando um  exibicionismo exagerado, que não condiz que a alegada pobreza de seu principal inspirador, Jesus, cujo nome é invocado a todo momento para angariar o dinheiro do fiel, em troca de suposto milagre.

Na obra coletiva Imunidade Tributária, lançada em 2005 pela Editora MP o professor Roberto Wagner Lima Nogueira, Procurador Municipal no Estado do Rio de Janeiro e Professor  de Direito Tributário na Universidade Católica de Petrópolis, no capítulo “Liberdade como Idéia Fundante das Imunidades Tributárias”, registra que:

“É imune o patrimônio das instituições religiosas que compreendem o prédio onde se realiza o culto (IPTU), o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis (IPVA).”

Esse alargamento da imunidade tem viabilizado abusos, inclusive com importação de automóveis de luxo, helicópteros e outras extravagâncias que não é justo sejam sustentadas com dispensa de tributos que toda a sociedade paga.

Não se pode ampliar conceitos constitucionais para onerar o tesouro, especialmente diante das dificuldades orçamentárias que o país começa a enfrentar e que ameaçam trazer de volta a inflação, diante dos compromissos de investimentos já assumidos.

Para favorecer templos ou igrejas, cujos lideres chegam a ser donos de empresas de comunicação e fazer parte de lista de pessoas mais ricas do mundo, devemos acabar com as imunidades. Poderá cada ente tributante (União, Estados, Municípios) aprovar leis de isenção condicionada, respeitadas as normas da LRF, em situações especialíssimas para, por exemplo, incentivar hospitais ou escolas.

Abrir mão de tributo para alguém construir prédios luxuosos ou comprar redes de TV, não faz sentido. Afinal, essas pessoas dizem representar quem nasceu e morreu sem casa e nem microfone tinha.

 

Nascido em Brasília em 10 de julho de 1971, formou-se em Direito no Uniceub em 1993. É pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil. Conselheiro Seccional eleito por duas gestões 2004/2009, tendo presidido a Comissão de defesa e prerrogativas da OAB/DF. Vice-presidente da OAB/DF no período de 2008/2009. Ocupou o cargo de Secretário-Geral da Comissão Nacional de Prerrogativas do Conselho Federal da OAB na gestão 2007/2010. Eleito Presidente da OAB/DF para o triênio 2013/2015, tendo recebido a maior votação da classe dos advogados no Distrito Federal com 7225 votos. É diretor do Conselho Federal da OAB na gestão 2016/2019, corregedor-geral da OAB e conselheiro federal pela OAB/DF.