Uma sentença da Justiça Federal de São Paulo pode complicar a vida das concessionárias de aeroportos nos tribunais. A 2ª Vara Federal em Guarulhos (SP) decidiu anular duas cláusulas do contrato firmado entre a Infraero e uma loja de alimentação que explorava comercialmente um espaço no aeroporto internacional da cidade. Desde novembro de 2012, o terminal é administrado pela concessionária GRU Airport. De acordo com especialistas, a decisão pode abrir precedentes para outras ações semelhantes.
Os dispositivos contratuais derrubados permitiam que, ao fim do contrato ou em caso de rescisão, a Infraero tivesse posse imediata da área, sem que fosse dado direito a indenização à empresa. No entendimento do juiz federal substituto Paulo Marcos Rodrigues de Almeida, autor da sentença, as regras do Direito Público não podem se aplicar com a mudança de uma das partes do contrato, já que a GRU Airport herdou o acordo da Infraero, de janeiro de 2004.
“Não pode a GRU Airport valer-se do melhor dos dois mundos: a agilidade e liberdade dos regramentos da iniciativa privada, e as prerrogativas e derrogações concedidas ao poder pública. Ou se vale da disciplina normativa da iniciativa privada para consecução de seus fins – e aí se sujeita à mesma disciplina em suas relações comerciais com terceiros – ou se vale das prerrogativas e exorbitâncias do poder público – e aí deverá se sujeitar estritamente também às limitações estatais, como a realização de licitações formais e respeitosas da Lei 8.666/93”, aponta o juiz.
Rodrigues de Almeida reconheceu a plausibilidade jurídica e a ameaça de dano irreparável apontadas pela loja que ajuizou a ação. Para ele, reconhecer a legitimidade das cláusulas “equivaleria a descaracterizar a própria natureza e finalidade da concessão”.
Ainda que as áreas cedidas sejam bens públicos da União, o juiz ainda lembrou que a atuação eminentemente privada da concessionária põe em xeque a competência da Justiça Federal para analisar o caso. No entanto, aponta Rodrigues de Almeida, “o reconhecimento de uma situação de risco de dano irreparável autoriza, indisputavelmente, o exame do pedido liminar mesmo por juízo incompetente”.
Insegurança jurídica
O professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas São Paulo, Carlos Ari Vieira Sundfeld, explica que a aplicação das regras do Direito Público aos contratos celebrados entre uma concessionária privada e uma loja não é automática. Mas, segundo ele, a possibilidade de se eximir da indenização também existe em contratos com empresas privadas. “Não seria rigorosamente necessária a anulação das cláusulas nesse caso. A questão da indenização, por exemplo, dependeria do efetivo prejuízo”, afirma.
De acordo com o advogado Rodrigo Pinto de Campos, do escritório Aidar SBZ Advogados, a decisão deve abrir espaço para outras ações e sentenças semelhantes. “As empresas que alugam espaços nos aeroportos e têm contratos vigentes antes das concessões em Brasília, Guarulhos e Viracopos [Campinas] certamente possuem contratos semelhantes e podem procurar a Justiça para derrubar cláusulas exorbitantes”.
O advogado destaca que o modelo brasileiro de privatização estabelece que a Infraero é sócia das concessionárias, mas não tem poder de gestão. “Ou seja, não significa que a concessionária tenha caráter público e possa se valer de benefícios contratuais do poder público. Os contratos com empresas menores, para obrigações acessórias, são entre empresas privadas”.
Com a tendência de maior dinamismo da iniciativa privada em relação ao setor público, as concessionárias devem rever preços de aluguel e condições de funcionamento. “Isso deve causar muitos litígios”, prevê Sundfeld. A falta de uma legislação clara sobre os limites de aplicação da Lei de Licitações (8.666/93) pode prejudicar mais o cenário.