Quem se candidata a cargo eletivo deve estar disposto e preparado a enfrentar críticas. Principalmente em período eleitoral. O entendimento é da Justiça do Rio de Janeiro, aplicado ao negar indenização a Patrícia Amorim, presidente do Flamengo em ação ajuizada contra o Google por vídeo postado no YouTube, o serviço de vídeos do site.
Patrícia é candidata à reeleição na presidência do clube. Ela entrou com a ação, com pedido de liminar, por causa de um vídeo postado no fim de novembro, por torcedores insatisfeitos com a gestão da candidata.
O vídeo usa frases irônicas para “elogiar” a presidente do clube. Um deles, com os filhos no colo, diz que votará em Patrícia porque “o parquinho da Gávea ficou ótimo”. Mas “futebol, aqui entre nós, o futebol está uma merda”. Outro deles comemora a aquisição do nadador Cesar Cielo pelo Flamengo: “E Cielo é bronze nas olimpíadas, isso é que é orgulho nacional”. O vídeo termina com um torcedor com a camisa do Vasco da Gama declarando seu apoio a Patrícia: “Quero que tudo continue como está”, ri o suposto vascaíno.
Patrícia Amorim sentiu-se ofendida. Pediu à Justiça que o vídeo fosse retirado do ar, mas a 44ª Vara Cível de São Paulo, onde reside o réu, negou a liminar. O juiz substituto Guilherme Madeira Dezem, no plantão, disse que “a crítica constante do vídeo vem justamente no sentido de que a autora não teria se preocupado com o setor do futebol, mas apenas com outras áreas do clube (daí as referências jocosas a outras questões fora do futebol)”.
De acordo com a decisão liminar de Dezem, “estas críticas fazem parte do próprio jogo democrático, vez que não houve, ao menos em perfunctória análise, crítica exacerbada”. “É preciso destacar que a própria autora admite o tom jocoso e de deboche no vídeo. Aliás, vi o vídeo antes de analisar a tutela de urgência e fica evidente o tom irônico do vídeo. E, creio, que é justamente disso que se trata. Trata-se de crítica feita a candidata que concorre a cargo e que, ao meu ver, deve estar pronta e preparada para lidar com as críticas.”
A titular da vara, juíza Anna Paula Dias da Costa, concordou com o colega. Disse que Patrícia ocupa “cargo de fiscalização”, e por isso “deve estar preparada para as críticas mais contundentes dos torcedores e sócios do clube, principalmente durante o período de campanhas eleitorais”.
O juiz substituto, na decisão liminar, havia escrito que o caso não era “questão simples”, já que envolvia a proteção da honra de um e a liberdade de expressão de outro. Resolveu de forma simples: “Não há anonimato no vídeo. As pessoas que dele participam são claramente identificáveis o mesmo valendo para aqueles que colocaram o vídeo no YouTube”.
Já a juíza Anna Paula não viu complicações na questão. Para ela, deve ser respeitado o direito à manifestação. “Deve-se levar em conta o direito amplo à manifestação do pensamento, tanto no mundo real quanto no virtual, pois trata-se de uma das principais características da sociedade contemporânea”, escreveu.