A vinculação compulsória à previdência complementar do servidor público

Por Odasir Piacini Neto

A circunstância em comento vem ocorrendo em decorrência da flagrante inconstitucionalidade do inciso II e artigo 3° da lei 12.618/12, que em violação ao artigo 40 §14, 15 e 16 da CF de 1988, restringe o conceito de serviço público.

Os servidores oriundos do serviço público de outros entes da federação (estados, municípios e distrito federal), sem qualquer quebra de vínculo com o serviço público, que tomaram posse após o advento da lei 12.618/12 estão sendo compelidos a se vincular ao Regime de Previdência Complementar do Servidor Público instituído pelo referido diploma legal.

A circunstância em comento vem ocorrendo em decorrência da flagrante inconstitucionalidade do inciso II e artigo 3° da lei 12.618/12, que em violação ao artigo 40 §14, 15 e 16 da CF de 1988, restringe o conceito de serviço público, conforme se demonstrara pelos fatos e fundamentos a seguir delineados.

Com o advento das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/03, criadas com o intuito de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do Regime Próprio de Previdência, os §§ 14, 15 e 16 do artigo 40 da CF de 1988 foram criados/passaram a vigorar com a seguinte redação:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(…)
§ 14 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 16 – Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

Da leitura dos citados dispositivos verifica-se que o Constituinte Derivado autorizou os entes federativos limitar ao teto do Regime Geral de Previdência as aposentadorias e pensões a serem concedidas pelos seus respectivos Regimes Próprios, desde que instituíssem Regime de Previdência Complementar para seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo (§14°), devendo a criação do referido regime complementar ser instituída mediante Lei de iniciativa do Executivo (§15°).

A Lei Maior dispôs, ainda, que somente mediante expressa opção o Regime de Previdência Complementar poderá ser aplicado aos servidores que tiverem ingressado no serviço público até a data de publicação do ato de instituição do regime de previdência complementar, que, no âmbito federal, se deu com o advento da lei 12.618/12.

Note-se que o citado §16 do artigo 40 da Constituição Federal, ao tratar do termo serviço público, o faz de forma abrangente, sem qualquer limitação no tocante aos entes federativos.

Ocorre que a lei 12.618/12, ao regulamentar os dispositivos constitucionais retro mencionados, o fez de forma restritiva, limitando o conceito de serviço público ao âmbito federal, conforme se depreende do enunciado dos artigos 1° c/c artigo 3°, litteris:

Art. 1o É instituído, nos termos desta Lei, o regime de previdência complementar a que se referem os §§ 14, 15 e 16 do art. 40 da Constituição Federal para os servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive para os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público da União e do Tribunal de Contas da União.
(…)
Art. 3o Aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004aos servidores e membros referidos no caput do art. 1o desta Lei que tiverem ingressado no serviço público:
I – a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata o art. 1o desta Lei, independentemente de sua adesão ao plano de benefícios; e
II – até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar de que trata o art. 1o desta Lei, e nele tenham permanecido sem perda do vínculo efetivo, e que exerçam a opção prevista no § 16 do art. 40 da Constituição Federal.

Em decorrência da aplicação restritiva do citado inciso II do artigo 3°, servidores que ingressaram no Poder Judiciário ou no Ministério Público da União, oriundos, sem quebra do vinculo efetivo, de outros entes da federação estão sendo compelidos a aderir, nos termos do inciso I do citado dispositivo, ao Regime de Previdência Complementar instituído pela lei 12.618/12.

Ocorre que a limitação instituída pelo dispositivo em questão encontra-se em nítido conflito com o §16 do artigo 40 da CF de 1988, na medida em que a Constituição Federal de 1988 outorgou o direito de opção ao novo Regime a todos servidores que já tiverem ingressado no serviço público até a publicação da lei 12.618/12, tratando o serviço público de maneira abrangente, sem fazer qualquer distinção no tocante ao ente da federação perante o qual o servidor exercia suas atribuições.

Não bastasse a Constituição Federal não ter feito qualquer distinção no tocante a esfera de prestação do serviço público, deve ser levado em consideração, ainda, o fato de que a vacância, ocorrida no cargo anterior, de outro ente da federação se deu em virtude de posse em outro cargo público inacumulável, agora federal, sendo certo que tal opção não implica em rompimento ou interrupção da condição de servidor público.

A título exemplificativo, a legislação infraconstitucional regente dos servidores públicos federais, lei 8.112/90, deixa clara a inexistência de quebra do vínculo funcional em caso de vacância decorrente de cargo público inacumulável, nesse sentido, dispõe o artigo 33, inciso VIII da lei 8.112/90, in verbis:

Art. 33. A vacância do cargo público decorrerá de:
(…)
VIII – posse em outro cargo inacumulável;

A redação do aludido dispositivo legal não deixa dúvida quanto à manutenção do vínculo jurídico do servidor com a administração, pois determina que a vacância, nessa hipótese, decorre da posse em cargo inacumulável. Infirma-se que a nova investidura é pressuposto de desprovimento do cargo público antes ocupado.

Em reforço ao aludido argumento, verifica-se a vedação, tanto constitucional quanto legal, à acumulação de cargos públicos, impondo ao servidor a obrigatória requisição de vacância antes do novo ingresso.

A manutenção do aludido vínculo se corrobora por outros dispositivos legais contidos no RJU, entre eles o artigo 21, que dispõe:

Art. 21. O servidor habilitado em concurso público e empossado em cargo de provimento efetivo adquirirá estabilidade no serviço público ao completar 2 (dois) anos de efetivo exercício.

Veja que a estabilidade é atributo que o servidor leva para o outro cargo público ocupado, o que se reafirma com o instituto da recondução, vejamos:

Art. 29. Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado e decorrerá de:
I – inabilitação em estágio probatório relativo a outro cargo;
II – reintegração do anterior ocupante.

Portanto, a vacância decorrente de investidura em novo cargo público, dentro de uma mesma esfera, ou seja, dentre da administração pública federal, permite a manutenção do vínculo funcional do servidor e, portanto, na manutenção dos direitos personalíssimos adquiridos no cargo ao qual o servidor foi compelido requer vacância.

Esse entendimento foi firmado pelo parecer GM n° 013 aprovado pelo AGU Gilmar Ferreira Mendes e aprovado pela Presidência da República, possuindo, dessa forma, caráter normativo e vinculante a todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, tendo assim se manifestado:

Nos casos de provimento e vacância envolventes de pessoas políticos federativas distintas, aproveita-se o tempo de serviço ou contribuição, conforme o caso, para efeito de aposentadoria.

Não resulta interrupção da condição de servidor público e, em decorrência, na elisão de direitos garantidos pelo art.º da EC 20 de 1998, a mudança de cargos oriunda de posse e de consequente exoneração, desde que os efeitos destas vigorem a partir da mesma data. Os cargos podem pertencer a uma mesma ou a diferentes pessoas jurídicas, inclusive de unidades da Federação Diversas.

(…)
Em contraprestação, adquire os direitos e assume os deveres a que aludem a Constituição, a lei 8.112 de 1990, e a legislação extravagante, contando-se, para efeito de aposentadoria, o tempo de serviço ou de contribuição recolhida em vista da vinculação a Estado Membro, ao Governo do Distrito Federal ou a Município (v. os arts. 41, §3°, da Carta na redação dada pela emenda Constitucional n° 3/93 e 3° caput e §3º da Emenda Constitucional n.20/98, conforme o caso, bem assim o mesmo art. 40, §9º com a modificação inserida pela última emenda.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a Orientação Normativa nº 02, de 31 de março de 2009 do Ministério da Previdência Social, prevê em seu artigo 70 que será considerada a data mais remota entre as investiduras em cargo público interrupto para fim de definição no regime previdenciário a ser aplicado aos servidores, não fazendo qualquer distinção entre os entes federativos, vejamos:

Art. 70. Na fixação da data de ingresso no serviço público, para fins de verificação do direito de opção pelas regras que tratam os arts. 68 e 69, quando o servidor tiver ocupado, sem interrupção, sucessivos cargos na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, em qualquer dos entes federativos, será considerada a data da investidura mais remota dentre as ininterruptas. (Redação dada pela Orientação Normativa SPS n° 03, de 04/05/2009)

Ainda no mesmo sentido encontra-se o disposto no artigo 16 da Orientação Normativa MPOG/SRH 8, de 05 de novembro de 2010 – DOU de 08/11/2010, litteris:

Art. 16. Na fixação da data de ingresso no serviço público, para fins de verificação do direito de opção pelas regras de que tratam os arts. 6º, 7º e 8º, quando o servidor tiver ocupado, sem interrupção, sucessivos cargos na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, em qualquer dos entes federativos será considerada a data da investidura mais remota entre as ininterruptas.

Assim sendo, inexistindo quebra de vínculo com o serviço público, deve ser assegurado aos servidores oriundos do serviço público de outras esferas da Federação (Estados, Municípios e Distrito Federal), o direito de permanecer vinculado ao Regime de Previdência próprio da União, com direitos e deveres estabelecidos no artigo 40 da CF relativos ao seu ingresso originário no serviço público, ressalvado o direito de opção pelo regime complementar.

Advogado inscrito na OAB/DF sob nº 35.273. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), em 2011. Mestrando em Direito pelo Centro de Ensino Unificado do Distrito Federal (UDF), autor do livro: Prescrição e Decadência dos Benefícios Previdenciários – Coleção Prática Previdenciária – Editora Juspodivm (2015) – Especialista em Direito Previdenciário (LFG – 2012). Áreas de atuação: de Direito Previdenciário e Administrativo.