Por Odasir Piacini Neto
A partir de 01 de dezembro de 2015, data em que começa a produzir efeitos a medida Provisória nº 689, de 31 de agosto de 2015, o §3º o artigo 183 da Lei nº 8.112/1990, passará a vigorar com a seguinte redação, in verbis:
Art. 183. A União manterá Plano de Seguridade Social para o servidor e sua família.
(…)
§ 3o Será assegurada ao servidor licenciado ou afastado sem remuneração a manutenção da vinculação ao regime do Plano de Seguridade Social do Servidor Público, mediante o recolhimento mensal da contribuição própria, no mesmo percentual devido pelos servidores em atividade, acrescida do valor equivalente à contribuição da União, suas autarquias ou fundações, incidente sobre a remuneração total do cargo a que faz jus no exercício de suas atribuições, computando-se, para esse efeito, inclusive, as vantagens pessoais. (Redação dada pela Medida Provisória nº 689, de 2015)
Note-se, portanto, que apesar de assegurar ao servidor licenciado ou afastado sem remuneração a manutenção da vinculação ao regime do Plano de Seguridade Social do Servidor Público, a nova redação do citado dispositivo obriga o servidor a recolher a sua cota-parte da contribuição previdenciária, acrescida da cota-parte da União, o que, por sua vez, mostra-se flagrantemente inconstitucional, sendo verdadeira expropriação praticada em desfavor do servidor público que se encontre nessa situação.
O artigo 40 da Constituição Federal, com o advento da Emenda Constitucional nº 41/2003, passou a vigorar com a seguinte redação, in verbis:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
Da simples leitura do citado dispositivo fica fácil perceber a flagrante inconstitucionalidade de que é dotada a redação do §3º, do artigo 183, da Lei nº 8.112/1990, com redação dada pela Medida Provisória nº 689/2015, uma vez que afasta o recolhimento da contribuição previdenciária por parte do ente público, contrariando o que dispõe o caput do citado dispositivo que, de forma expressa, estipula a previsão de contribuição por parte do ente público.
Evidentemente, a manutenção ao Regime Próprio de Previdência por parte do servidor licenciado ou afastado sem remuneração deve observar as mesmas regras constitucionais no tocante a forma de custeio dos benefícios concedidos aos servidores em atividade.
A transferência do ônus do recolhimento da cota-parte da contribuição previdenciária da União para o servidor também viola o caput do artigo 40 da Constituição Federal de 1988 no que diz respeito ao caráter contributivo e solidário que deve imperar no Regime Próprio de Previdência dos Servidor Públicos.
O Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos passou a ser contributivo com o advento da Emenda Constitucional nº 20/1998, que alterou a redação do caput do artigo 40 da Constituição Federal de 1988 para constar a seguinte redação:
Art. 40 – Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
Note-se que, apesar de não constar expressamente, a necessidade de contribuição de todos os participantes do Regime de Previdência, tal circunstância é da própria essência do seu caráter contributivo. Tanto é assim, que com o advento da Emenda Constitucional nº 41/2003, a redação do citado dispositivo foi modificada, passando-se a discriminar cada um dos responsáveis pelo custeio do Regime.
Acerca da redação do artigo 40 da Constituição Federal de 1988 (EC 41/2003), Fábio Zambitte Ibrahim ensina:
A nova redação do artigo 40 da Constituição, após a reforma, passa a externar de modo claro a necessidade de cotização também do Ente Federativo, assumindo este a condição de patrocinador do regime básico dos servidores, à semelhança do que ocorre no RGPS[1].
Dessa forma, ao transferir a responsabilidade do recolhimento da cota-parte da contribuição previdenciária da União para o servidor, fica nítido a violação ao caráter contributivo do sistema, que pressupõe, inequivocamente, a participação de todos atores do regime no seu custeio.
A nova redação do §3º do artigo 183 da Lei nº 8.112/1990 também ignora o caráter solidário do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos, na medida em que o servidor estará contribuindo de forma solidária para o sistema, mas não estará tendo essa contrapartida, pois, na essência, estará arcando, exclusivamente, com o valor do seu benefício, eis que a cota-parte da União foi excluída pelo citado diploma legal.
Conforme ensina Fabio Zambitte Ibrahim “A solidariedade impede a adoção de um sistema de capitalização pura em todos os segmentos de previdência social, em especial no que diz respeito aos benefícios não programados, pois o mais afortunado deve contribuir com mais, tendo em vista a escassez de recursos e contribuições de outros[2].”
Nesse contexto, verifica-se que a redação do dispositivo impugnado inverte, ignorando a essência do caráter solidário, a lógica do sistema de custeio, transferindo para o menos afortunado, o recolhimento integral de uma contribuição que deveria ser repartida, criando, em verdade, um sistema desvirtuado de capitalização[3].
Acerca da utilização indevida do caráter solidário do sistema, ou, ainda, do interesse público, merece destaque a lição do citado doutrinador, que ao tratar do princípio da solidariedade assim se manifestou:
Na realidade atual, é comum bradar-se a solidariedade como trunfo em favor de imposições descabidas e desproporcionais, de modo a expor os eventuais reclamantes como detratores da dignidade humana e do bem-estar social. O Brasil não escapa dessa infeliz tradição somente mudando os fundamentos. Nosso passo nos traz à mente os atos tirânicos da ditadura, com base na nebulosa segurança nacional, seguida pelo desconcertante e indefinível interesse público e, na realidade, do Século XXI, pela solidariedade. Esta, em momento algum, possui finalidade liberticida ou expropriatória, mas somente expõe a realidade de qualquer sociedade, mesmo em modelos liberais, que sempre demandam, pragmaticamente, algum auxílio mútuo, mesmo de forma forçada[4].
A citação do renomado doutrinador condiz perfeitamente com a exposição de motivos da Medida Provisória 689/2015, em que ficou expressamente consignado ser mais consentâneo com interesse público exigir que o servidor que usufrui licença requerida no seu interesse preponderante arque com a contribuição da União, nesses termos:
3. Além disso, avaliou-se ser mais consentâneo com o interesse público exigir que o servidor que usufrui de licença requerida no seu interesse preponderante arque com a contribuição da União, suas autarquias ou fundação, na medida em que os órgãos ou entidades públicas restam privados de sua força de trabalho com tais afastamentos
Ora, o interesse público, ou, ainda a crise financeira vivenciada pelo país, não pode servir como fundamento para o cometimento de arbitrariedades/expropriações como a pratica pela Medida Provisória em questão.
Claro, portanto, que o dispositivo impugnado se encontra em conflito com os preceitos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 acerca da matéria.
Não bastasse isso, fica claro que a nova redação do §3º do artigo 186 da Lei nº 8.112/1990, ignora a equidade na forma de participação do custeio do regime previdenciário (art. 194, V, da Constituição Federal de 1988).
Wagner Balera ao tratar da equidade na participação no custeio ensina que só será equânime a participação que atue na direção dos valores que norteiam a Ordem Social, quais sejam: o bem estar e a justiça sociais, nesse sentido:
Haverá uma forma equitativa, vale dizer, igualitária, de participação no custeio da seguridade social?
É certo que toda a sociedade, bem como o Poder Público, serão os responsáveis pelo financiamento desse conjunto de medidas sociais.
Só será equânime a participação que atue na direção dos valores que norteiam a Ordem Social: o bem estar e a justiça sociais.
Sendo distintas as situações econômicas das categorias sociais, a equidade impõe igual distinção às contribuições. Equânime, afirma ARISTÓTELES, é o reto, o justo.
É evidente a maior capacidade econômica da empresa quando comparada com o segurado. Mesmo entre indivíduos, alguns possuem capacidade contributiva notoriamente maior. Portanto, não refogue à equidade o estabelecimento de contribuições maiores para os empregadores e menores para os empregados[5].
Nesse cenário, fica bastante claro que a forma. de custeio estabelecida pela nova redação do §3º da Lei nº 8.112/1990 não se mostra equânime, ao contrário, mostra-se absolutamente desproporcional e injusta, transferindo para quem possui a menor capacidade econômica, dentre os atores do regime, o ônus de recolhimento de todo o valor da contribuição previdenciária.
Odasir Piacini Neto, especialista em Direito Previdenciário, atuante na defesa de servidores públicos, advogado no escritório Ibaneis Advocacia e Consultoria.
[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte, Curso de Direito Previdênciário, 17ª Edição, Rio de Janeiro, Impetus, 2012, p. 745
[2] IBRAHIM, Op.cit, p. 65
[4] IBRAHIM, Idem, p. 66.
[5]BALERA, WAGNER, Noções Preliminares de Direito Previdenciário, 2ª Edição, Quartier Latin do Brasil, São Paulo, 2010, p. 116-117.
Odasir Piacini Neto