Especialista em Direito de Família, a advogada do Escritório Ibaneis Advocacia Jackeline M. Vilas Boas, explica as nuances jurídicas da Síndrome da Alienação Parental (SAP)
Um caso muito comum e recorrente entre casais separados e com filhos é a ocorrência da Síndrome da Alienação Parental (SAP). Segundo a Constituição Federal, o ato de alienação parental ocorre quando um dos genitores ou os avós, por exemplo, depreciam o outro genitor para que isso resulte em problemas de relacionamento com a criança ou adolescente.
A especialista em Direito de Família, a advogada do Escritório Ibaneis Advocacia Jackeline M. Vilas Boas, destaca que a alienação surge, geralmente, durante processo de ruptura de relacionamento amoroso entre os pais da criança ou adolescente, “onde um dos cônjuges/companheiros não aceita o processo de separação, não consegue lidar com a rejeição, e acaba por utilizar os filhos do casal como instrumento de vingança”.
Genitores que forem vítimas de alienação parental podem mover ações para que por fim à SAP. A advogada explica que o processo que versa sobre alienação tem tramitação prioritária, para que o Estado preserve a integridade psicológica da criança ou do adolescente.
Recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu a alienação parental na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, conhecido como CID-11. A nova catalogação de enfermidades será apresentada para adoção pelos Estados Membros da organização, em maio de 2019, durante a Assembleia Mundial da Saúde. Se for aceita, entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022.
Confira, abaixo, entrevista com a advogada sobre o assunto:
1 – O que configura alienação parental? Quais são as formas de induzir a alienação?
A síndrome da alienação parental (SAP) é regulada pela Lei n.º 12.318/2010 e possui fundamento constitucional no artigo 226, §7º da Constituição Federal.
A Lei n.º 12.318/2010 conceitua a alienação parental em seu artigo 2º:
“Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
A alienação geralmente surge durante processo de ruptura de relacionamento amoroso entre os pais da criança ou adolescente, onde um dos cônjuges/companheiros não aceita o processo de separação, não consegue lidar com a rejeição, e acaba por utilizar os filhos do casal como “instrumento de vingança”, promovendo uma “lavagem cerebral” para ferir a imagem do outro genitor.
No parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.318/2010 exemplifica as formas de alienação, vejamos:
“Parágrafo único: são formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.”
2 – Se sou vítima de alienação, o que devo fazer? Como um advogado pode me ajudar?
Vislumbrados indícios de alienação, o genitor alienado pode buscar auxílio de advogado para promover ação autônoma ou se houver processo em curso, em qualquer momento processual, pode trazer os fatos incidentalmente. O processo que tem por objeto indícios de alienação tem tramitação prioritária, para que o Estado preserve a integridade psicológica da criança ou do adolescente.
3 – Quais são as consequências da alienação para crianças e adolescentes?
Geralmente, as crianças ou adolescentes alienados passam a nutrir sentimentos negativos em relação ao genitor ou parente alienado, resultantes da implantação de memórias falsas ou exageradas, implantadas pelo alienante, o que interfere diretamente na saúde do ambiente familiar dessa criança ou adolescente, podendo refletir negativamente em seu quadro psicológico.
4 – Existe uma forma de prevenção?
Não há como prever quando pode ocorrer a alienação e/ou evitá-la. Em alguns casos tais práticas ocorrem de forma velada, o que dificulta a comprovação.
5 – É considerado crime?
Não é considerado crime. A Lei n.º 12.318/2010 previa a criminalização da alienação parental, entretanto, o Presidente da República à época, vetou a previsão trazida pela Lei citada sob o argumento de que o ECA já possui mecanismos suficientes para coibir a alienação parental, razão pela qual entendeu não ser necessária a inclusão de sanção penal.
6 – É apenas relacionado aos pais?
Não. A alienação parental também pode afetar as relações com o grupo familiar.
7 – Se for provada a alienação, o que acontece com o alienador?
O Artigo 6º da Lei 12.318/2010 prevê as punições ao alienador, após caracterizado os atos típicos de alienação:
“Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII – declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.”
Por não ser crime, as sanções aplicadas ao alienador somente refletem na esfera cível, não resultando, portanto, em nenhuma sanção penal para o alienador.
8 – O juiz decide apenas com base nos fatos?
Apresentados os indícios de alienação, seja por ação autônoma ou incidental, o juiz pode determinar perícia psicológica ou biopsicossocial, que deverá ser realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados.
O Artigo 5º da Lei n.º 12.318/2010 e seus parágrafos, dispõem sobre o procedimento mencionado:
“Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.”
9 – Algo a acrescentar?
Há que ter bastante atenção para os indícios de alienação. Afinal, nem sempre o comportamento agressivo, reprimido ou explosivo de uma criança/adolescente com relação a um dos genitores durante o processo de divisão da família, por fim de relacionamento entre os pais, é resultante de alienação. Nesses casos, pode ser apenas a maneira que essa criança encontrou para chamar a atenção dos pais e demonstrar que não está de acordo com o novo formato familiar.
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