Artigo publicado no jornal Correio Braziliense no dia 29 de janeiro de 2018
Com a política no banco dos réus, a figura do político tradicional enfrenta um desgaste poucas vezes registrado nas histórias das democracias, provocando guinadas surpreendentes e flertes perigosos com ideias autoritárias. Com discursos antipolíticos chegaram ao poder nas últimas eleições para prefeito Crivella no Rio, Doria em SP e Kalil em Belo Horizonte. O que vai acontecer neste ano de 2018 é um grande ponto de interrogação.
A rigor, nossa redemocratização nos anos de 1980 já começou dando indicações de desgaste, que se acentuou com a pulverização dos partidos e permitiu a aventura de Collor de Mello à frente de uma obscura sigla, o PRN. Daí para cá, de susto em susto vieram à tona negócios e negociatas nada republicanas frustrando as expectativas dos eleitores.
Esta não é uma situação em que o cidadão simplesmente cruza os braços e espera para ver no que vai dar. No ponto em que está, a crise põe em risco a causa democrática que, queira-se ou não, tem nos políticos uma de suas bases primordiais, por serem os legítimos representantes da coletividade.
Estadista e raposa política de seu tempo, Winston Churchil (cuja trajetória pode ser vista nos cinemas no brilhante “O Destino de uma Nação”), certa vez sentenciou: “A democracia é o pior dos regimes, excetuados todos os outros”. É barulhenta, briguenta, dá trabalho, mas é necessária. Não precisamos ir tão longe nesse raciocínio. Busquemos as palavras simples de um dos maiores poetas populares que este Brasil já produziu, Patativa de Assaré: “Se ser político é reclamar das injustiças, então eu sou político”.
A verdade é uma só: democracia exige cuidados para que nem sejamos nós, e muito menos aqueles que elegemos para nos representar nos parlamentos e governos, a desvirtuá-la em prol de caprichos pessoais ou estranhos ao interesse público. O rodízio de representantes que o sistema impõe (e o povo o faz nas urnas) é mais que saudável: é vital. Devemos lembrar que a luta pela redemocratização teve um custo alto. Não pode ser comprometida pelo retorno, sob qualquer pretexto ou argumento, ao autoritarismo. Na democracia estamos, e nela queremos permanecer, aprimorando o que é preciso. Não há truques ou atalhos.
Nos dias atuais, não é só contra a corrupção que a população se insurge. Respeitar e promover a igualdade de gêneros tornou-se uma exigência. A discriminação racial, por sua vez, é combatida em todos os espaços. Tudo isto ajuda na conta, mas ainda não zera o nosso déficit social. Para zerar, teríamos de abolir algumas chagas que incomodam, como, por exemplo a injusta distribuição de riqueza, a falta de segurança pública, a precária saúde pública, o desleixo com a educação fundamental etc.
E o Distrito Federal, neste particular, não foge à moldura nacional. Não é de hoje, a situação da capital da República não é das melhores. Está a exigir esforço para restabelecer, em toda a sua plenitude, os serviços essenciais aos seus cidadãos, há muito prejudicados naquilo que lhes são caros, como segurança, educação, saúde e transporte, só para ficar nessas áreas.
Estou convencido que as pontes para vencermos esses abismos devem ser construídas na política. Incoerente e irresponsável seria se ficássemos à margem dessa discussão. O que precisamos é avançar mais. É votando que se aprende a votar; é vivenciando os conflitos que aprendemos a identificar o direito do outro, os nossos deveres, os deveres e as limitações do Estado.
Por isto resolvi fazer política. Aprendemos com a história que grandes mudanças e transformações importantes são sempre resultado de momentos de crise. É na crise que devemos, mais do que em qualquer outro tempo, nos apegarmos a princípios e a valores fundados no funcionamento da ordem institucional, no exercício da cidadania e da liberdade. Apenas dessa forma, contra todas as previsões, foi que JK conseguiu a façanha de erguer, no meio do nada, a capital de um país de dimensões continentais.
O desafio de agora está em restaurar a esperança de um futuro melhor e repor a confiança nas instituições. Por isso, não podemos continuar vivendo uma simples “situação democrática”, por mais eleições que possam ocorrer. Queremos uma democracia como valor universal, que se traduza em participação, ética e responsabilidade.
Por Ibaneis Rocha
Ex-presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Distrito Federal, é secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB