Análise da PEC 287/16 – Parte 2

Por Odasir Piacini Neto

Prosseguindo na série de artigos que visa analisar as principais mudanças previstas no texto da PEC 287/16, em especial no tocante aos servidores públicos civis, abordaremos no presente artigo as alterações em relação a aposentadoria especial.

A aposentadoria especial do servidor público encontra-se atualmente disciplinar nos termos do artigo 40, §4º, da Constituição Federal de 1988 que possui a seguinte redação, vejamos:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(…)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional 47, de 2005)

I portadores de deficiência; (Incluído pela emenda constitucional 47, de 2005)

II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela emenda constitucional 47, de 2005)

III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela emenda constitucional 47, de 2005)

Caso a PEC 287/2016 seja aprovada a aposentadoria especial passará a ter a seguinte disciplina, in verbis:

Art. 40 (…)
(…)
§ 4º Poderão ser estabelecidos por lei complementar idade mínima e tempo de contribuição distintos dos previstos neste artigo para concessão de aposentadoria, estritamente em favor de servidores:
I – com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar;
II – cujas atividades sejam exercidas em condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, vedado o estabelecimento de idade mínima inferior a cinquenta e cinco anos ou de tempo de contribuição inferior a vinte anos.

  • 4º-A Os limites de idade previstos na alínea a do inciso I do § 1º poderão ser reduzidos por lei complementar policiais dos órgãos previstos nos arts. 51, IV, 52, XIII, e 144, I, II, III e IV, desde que comprovados pelo menos vinte e cinco anos de efetivo exercício de atividade policial, vedado o estabelecimento de idade mínima inferior a cinquenta e cinco anos para ambos os sexos.

O primeiro ponto que merece destaque no tocante a aposentadoria especial é o fato de que, até hoje, ao menos no âmbito Federal e com exceção de algumas categorias tais como os Policiais Civis1, inexiste lei complementar disciplinando a matéria.

Diante da ausência de norma própria disciplinando o tema, em nove de abril de 2014, o STF aprovou a súmula vinculante 33, cujo enunciado possui a seguinte redação:

Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da CF, até edição de lei complementar específica.

As regras do regime geral de previdência social, as quais a súmula faz menção, são aquelas instituídas pela lei 8.213/90, que dispõe sobre o plano de benefícios da previdência social.

Quanto a aposentadoria especial do deficiente físico a PEC traz para o âmbito da constituição a necessidade de que o servidor seja submetido a avaliação biopsicossocial para verificação da condição de deficiente.

Cabe ressaltar que, também para o servidor público deficiente físico, inexiste lei complementar disciplinando a matéria, de modo que por força de Mandados de Injunção2propostos por entidades representativas dos servidores, também tem sido utilizada a legislação do regime geral de previdência social, lei complementar 142/13 c/c decreto 3.048/99 (arts. 70-A a 70-I), para análise dos requisitos de concessão dessa modalidade de aposentadoria.

Quanto aos servidores que exercem suas atribuições em condições prejudiciais à saúde a PEC traz substancial mudanças nas regras de aposentação.

A primeira delas diz respeito a impossibilidade de caracterização da atividade como especial de acordo com a categoria profissional ou ocupação, isso porque, nos termos da pacífica e atual jurisprudência, o segurado tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial nos moldes da legislação da época da prestação do serviço (RESP 425660/SC de Relatoria do Ministro Felix Fischer, publicado no DJ em 28/4/95).

Nesse contexto, no tocante a aposentadoria especial, até o advento da lei 9.032/95 admitia-se duas formas de se considerar o tempo de serviço como especial: a) enquadramento por categoria profissional: conforme a atividade desempenhada pelo segurado prevista em regulamento; b) enquadramento por agente nocivo: independentemente da atividade ou profissão exercida, o caráter especial do trabalho decorria da exposição ininterrupta e permanente a agentes insalubres arrolados na legislação de regência.

Assim sendo, até 28 de abril de 1995, para que a atividade do servidor fosse considerada especial, bastava o mero enquadramento em uma das profissões ou que determinado agente nocivo estivesse previsto nos anexos dos decretos que regulamentam a matéria, 53.831/64 e 83.080/79.

De acordo com a alteração constitucional que se pretende aprovar, a contagem de acordo com o critério de enquadramento por categoria profissional ou por agente nocivo não mais será possível.

A segunda alteração substancial diz respeito a criação de uma idade mínima, cinquenta e cinco anos, para que o benefício nessa modalidade possa ser concedido, requisito inexistente, atualmente, na legislação de regência e que pode criar novo óbice para concessão dessas aposentadorias, já que, a legislação utilizada nos dias de hoje, lei 8.213/91, não prevê o requisito idade para concessão do benefício em análise.

Assim sendo, até que seja editada a lei complementar exigida, que contemple todos os requisitos exigidos pela PEC, mais uma vez, o servidor ficará desamparado e impossibilitado de gozar de um benefício assegurado pela lei maior.

Ressalte-se que a aposentadoria especial do servidor público foi incluída no texto da constituição federal de 1988 com o advento da emenda constitucional 47/05, de modo que passados doze anos, até hoje, não foi editada lei complementar tratando sobre a matéria.

Frise-se que a aposentadoria especial visa amparar servidores que se submetem a condições de trabalho prejudiciais à saúde, de modo que a mora legislativa poderá, inclusive, gerar efeitos danosos a saúde desses trabalhadores, que, diante da ausência de regra específica, acabarão se aposentando pela regra geral.

A terceira e substancial mudança diz respeito a exigência de tempo mínimo de contribuição de vinte e cinco anos. De acordo com a lei 8.213/90, a aposentadoria especial é concedida aos trabalhadores que exercem atividade em condições prejudiciais à saúde ou a integridade física por quinze, vinte ou vinte e cinco anos, de acordo com a nocividade do agente ao qual o trabalhador é submetido.

O tempo de contribuição mínimo de vinte e cinco anos nos parece passível de crítica, uma vez que, evidentemente, existem diferentes tipos de grau de nocividade em relação aos quais os servidores são submetidos, sendo certo que os agentes nocivos de maior gravidade, justificam, inequivocamente, a aposentadoria mais célere.

Não fosse assim, não teria o legislador ordinário estabelecido as gradações de quinze e vinte anos de tempo de contribuição para essa modalidade de aposentadoria, de modo que estender por mais dez anos a submissão do servidor a um agente insalubre considerado de nocividade alta poderá, inequivocamente, trazer prejuízos irreparáveis à sua saúde.

Por sua vez, o §4º-A da PEC trata da aposentadoria especial do servidor público policial.

Analisando a redação do citado dispositivo em conjunto com a atual norma de regência da aposentadoria especial do policial civil, lei complementar 51/85, verificamos, de plano, a existência de duas mudanças, o aumento para vinte e cinco anos do tempo mínimo de atividade estritamente policial exigido, bem como a criação de uma idade mínima para fins de aposentação (cinquenta e cinco anos).

De acordo com o artigo 1º da lei complementar 51/85 o servidor público policial será aposentado nas seguintes hipóteses:

Art. 1º O servidor público policial será aposentado:
(…)

II – voluntariamente, com proventos integrais, independentemente da idade: (Redação dada pela lei complementar 144, de 2014)

  1. a) após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se homem;(Incluído pela lei complementar 144, de 2014)
  2. b) após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher.

Note-se, portanto, que para o policial homem, o tempo mínimo de atividade estritamente policial foi aumentado em cinco anos¸ por sua vez, para a policial mulher, o tempo mínimo de atividade estritamente policial foi aumentado em dez anos, passando-se a exigir, para ambos os sexos, a idade mínima de cinquenta e cinco anos, a qual não constava na lei complementar 51/85.

A forma de cálculo dessas modalidades de benefício encontra-se estabelecida no inciso I do §3º do art. 40 da PEC o qual possui a seguinte redação:

Art. 40 (…)
(…)
§ 3º Os proventos da aposentadoria, por ocasião da sua
concessão, corresponderão:
(…)
I – nas hipóteses do inciso I do § 1º, do inciso II do § 4º, do § 4º-A e do § 5º, a 70% da média referida no §2º-A, observando-se, para as contribuições que excederem o tempo de contribuição mínimo exigido para concessão do benefício, os seguintes acréscimos, até o limite de 100% incidentes sobre a mesma média:
a) do primeiro ao quinto grupo de doze contribuições
adicionais, 1,5 pontos percentuais por grupo;
b) do sexto ao décimo grupo de doze contribuições adicionais, 2 (dois) pontos percentuais por grupo;
c) a partir do décimo-primeiro grupo de doze contribuições adicionais, 2,5 pontos percentuais por grupo;

Por sua vez, §2º-A, citado no aludido inciso I, possui a seguinte redação, vejamos:

§2º-A Os proventos das aposentadorias decorrentes do disposto neste artigo terão como referência a média aritmética simples das remunerações e dos salários de contribuição, selecionados na forma da lei, utilizados como base para contribuições ao regime de previdência de que trata este artigo e ao regime geral de previdência social.

Nesse contexto, verifica-se que, de acordo com as regras em questão, o valor do benefício será calculado de acordo com a média aritmética simples das remunerações e dos salários de contribuição, correspondendo a 70% do valor da média em questão, podendo corresponder, no máximo, ao valor de 100% dessa média, a depender dos períodos de contribuição excedentes que possuir o servidor.

Quanto aos períodos excedentes, do primeiro ao quinto ano de contribuição excedente, cada ano acrescerá 1,5 pontos percentuais na média dos proventos (alínea “a”), do sexto ao décimo ano de contribuição excedente, cada ano acrescerá 2 pontos percentuais (alínea “b”), a partir do décimo primeiro ano, cada ano acrescerá 2,5 pontos percentuais na média dos proventos (alínea “c”).

Por exemplo, um servidor que contribuir com cinco anos de contribuição a mais do que o tempo exigido para fins de aposentação terá seus proventos de aposentadoria calculados com base em 77,5% da média aritmética simples das remunerações e dos salários de contribuição, o que corresponde a 70% mais 5 grupos de doze contribuições x 1.5.

Ressalte-se que, de acordo com a regra atual, para os Policiais Civis regidos pela lei complementar 51/853 a aposentadoria é concedida com proventos integrais.

Para os servidores que se encontram regidos pelas disposições da lei 8.213/91, o valor dos proventos de aposentadoria corresponde à média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo4.

Concluímos, portanto, o segundo artigo da série que busca analisar as principais alterações da PEC 287/16, em especial em relação ao servidor público. No próximo artigo, analisaremos as regras de transição constantes no projeto.

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1. Lei complementar 51/85.

2. MI 6326 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 19/8/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 16/9/15 PUBLIC 17/9/15

Art. 1o O servidor público policial será aposentado: (Redação dada pela Lei Complementar 144, de 2014)
(…)
II – voluntariamente,com proventos integrais, independentemente da idade:

Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
(…)
II – para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.

*Odasir Piacini Neto é advogado no escritório Ibaneis Advocacia e Consultoria, especialista em Direito Previdenciário.