A impossibilidade de tarifação do dano extrapatrimonial.

Rudney Teixeira

Outubro de 2018.

A responsabilidade civil, matéria onde se é estudado o dano extrapatrimonial, é abordada com grande louvor no Código Civil de 2002, sendo um dos pontos de maior destaque do anteprojeto de Miguel Reale. Em que pese as extensas previsões civilistas, o tema costuma possuir diferentes nuances nos diversos ramos do Direito, como no Direito Administrativo, Ambiental e do Consumidor.

Com o advento da Lei 13.467 de 2017, o Direito do Trabalho passou a possuir regramento próprio, todavia, não podendo ser aplicado de forma isolada, como vem apontando a doutrina1 , entendendo inclusive, evidente inconstitucionalidade material.

Antes de prosseguir, faz-se necessários tecermos um breve histórico sobre a tramitação da reforma trabalhista (Lei nº 13.467 de 2017), de modo que possamos entender o tema em discussão.

Em dezembro de 2016, foi apresentada uma “mini” reforma trabalhista, que inicialmente atingia 9 (nove) artigos da CLT. Em abril de 2017, o projeto foi aprovado. Nesta fase, na Câmara dos Deputados, o Deputado Rogério Marinho (que é economista) trouxe sua visão para a reforma, o que gerou uma reforma notoriamente “pró-empregador”.  As alterações que eram de somente 9 (nove) artigos, passou para quase 100 (cem) artigos, a maioria na área do Direito Material do Trabalho e os demais no Direito Processual do Trabalho.

Na apreciação pelo Senado Federal, o PL foi integralmente aprovado, inclusive com as sugestões de vetos, mas que não foram acolhidas pelo Presidente da República, ou seja, a reforma foi aprovada sem vetos.

Por fim, a sanção presidencial ocorreu em apenas 2 (dois) dias após a aprovação pelo Congresso Nacional. Registre-se, ainda, que o Presidente do TST, Ministro Ives Gandra, foi um grande entusiasta da reforma trabalhista, o que certamente viabilizou a rápida conclusão da reforma. 1 Enunciados da 2ª Jornada de Direitos Material e Processual do Trabalho apontam inconstitucionalidade dos dispositivos incluídos na CLT sobre o tema, veja-se enunciado nº 18.

Aprovada em julho de 2017, a reforma entrou em vigor a partir de 11 de novembro de 2017, todavia, após muitas discussões, pressão social e política, a presidência da República promoveu “ajustes” em alguns pontos da reforma, por meio da edição da Medida Provisória nº. 808/2017, que atingiu um novo recorde com mais de 800 (oitocentas) emendas de aditamentos e alterações. Medida esta que não foi convertida em lei.

Ao contrário do novo Código de Processo Civil, que foi discutido desde 2009 e iniciou sua tramitação em 2010, a reforma trabalhista tramitou por apenas 6 (seis) meses, o que causa estranheza sobre sua legitimidade e solidez, pois impacta não apenas o processo do trabalho e o Judiciário, mas a vida e cotidiano de milhões de brasileiros.

Privilégio ao dirigismo contratual, flexibilização de direitos trabalhistas e modernização da CLT, são as alegadas essências da reforma trabalhista, mas que em muitos aspectos resultaram em injustiças e retrocessos. Atendo-se ao tema em questão, sopesemos o art. 223-A e seguintes da CLT, que introduz o título II-A, incluído pela reforma e que trata do dano extrapatrimonial.

Dano extrapatrimonial ou moral é conceituado como a lesão que atinge os bens imateriais, como por exemplo, a honra, o nome e a dignidade. Essa modalidade de dano diferencia-se do dano material, que atinge o patrimônio, como por exemplo, o dano causado a um veículo.

Assim, verificado o ato ilícito, capaz de gerar ofensa à dignidade da pessoa, e desde que comprovado o nexo causal, surge o dever de indenizar, nos termos do art. 186 do Código Civil – CC:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Anote-se que o dano moral na relação de trabalho se dá tanto pelo acidente de trabalho quanto pelas circunstâncias que violam os direitos da personalidade, como situações vexatórias, ofensas, redução à condição análoga à escravo, assédio moral, e outros.

Perceba-se que a indenização pelo dano extrapatrimonial se insere no âmbito da responsabilidade civil, encontrando previsão não apenas no CC, mas também na CF/88, veja-se:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Assim, o trato sobre a matéria encontra previsão constitucional, sendo garantida a indenização respectiva em caso de ofensa à vida privada, intimidade e honra, por exemplo. Em razão disso, a norma infraconstitucional precisa ser interpretada com harmonia aos valores constitucionais – constitucionalização do direito -, não podendo nenhuma outra norma infra, em especial quando prejudicial ao que sofreu a lesão, contrariar o exposto na Constituição Federal.

Com a Reforma Trabalhista, há previsão de que, aos casos de dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho, será aplicado apenas o Título II-A da CLT. Pela interpretação literal e gramatical do dispositivo, poder-seia concluir que a CF/88, o CC, assim como a jurisprudência consolidada sobre o tema, não seriam aplicados no âmbito trabalhista, mas tão somente o disposto na CLT, veja-se:

Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.

Limitando os bens juridicamente tutelados na esfera trabalhista, a Lei 13.467/2017 opera em possível inconstitucionalidade, na medida em que afasta a ampla tutela constitucional, por meio da qual considera como fato ensejador de dano moral qualquer ação ou omissão que ofenda à dignidade da pessoa humana.

O cume da possível inconstitucionalidade está na tarifação dos patamares indenizatórios em razão dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. A depender do caso em questão, a tarifação poderá se revelar totalmente injusta e irrisória. Imagine-se, por exemplo, que certa empresa cause, com um só ato, dano ambiental, ao consumidor e ao trabalhador. Aplicando-se a sistemática atual, o dano ambiental poderá ser ressarcido sem qualquer limitação, de igual modo o consumidor, e somente o trabalhador estará adstrito as limitações em seu pedido.

Mensurar previamente os diversas danos advindos da relação de trabalho é impossível ao legislador. Imagine-se demandas que envolvam acidente do trabalho com morte, perda auditiva, diminuição da capacidade laborativa, amputação de membros entre outros, quanto valerão cada uma destas lesões?

O próprio art. 7º, inciso XXVIII da CF, garante ao empregado uma indenização ampla do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho, razão pela qual, não há subsistência da restrição ao ofício judicante em aplicar a lei de acordo com o texto constitucional e o caso em apreço. A Constituição Federal irradia seus preceitos e valores na aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto.

Em reforço a inconstitucionalidade da questão, relembre-se que o Supremo Tribunal Federal – STF, quando declarou inconstitucional a Lei de Imprensa (ADPF 130), firmou a jurisprudência2 no sentido de que o dano decorrente da ofensa perpetrada pela imprensa não poderia ficar limitado, para fins de indenização, a valores previamente fixados em lei, julgamento este que possui evidente similitude ao caso em questão.

Durante os próximos anos, o Tribunal Superior do Trabalho – TST e o STF terão a importante missão de analisar a efetiva aplicação do novo dispositivo, o que certamente porá um ponto final na questão, que até o momento, vem gerando polêmica.

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¹Enunciados da 2ª Jornada de Direitos Material e Processual do Trabalho apontam inconstitucionalidade dos dispositivos incluídos na CLT sobre o tema, veja-se enunciado nº 18.

²Súmula no 281 do STJ: A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

Advogado inscrito na OAB/DF son nº 46.055. Graduado em 2015 pelo Centro Universitário IESB. Especializado em Direito Constitucional em 2016 pelo IDP/Brasília. Especializado em Direito Processual Civil, em 2017, pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FESMPDFT). Pós-Graduado, em 2017, pela Ordem Jurídica e Ministério Público pela FESMPDFT. Militante em Direito Civil, Direito Administrativo e Constitucional.